quarta-feira, 14 de outubro de 2020

Consulta: Perda de Filho

 (Publicado em 31 de janeiro de 2012)


Meu filho morreu num acidente de carro há um ano. Voltava de uma festa como carona de um amigo que bebeu demais, mas sobreviveu. Ele tinha 20 anos, estava na faculdade e namorava uma menina encantadora. Continuo em frangalhos. Isto vai passar? Porque não quero que passe!

Lydia

Prezada Lydia,

Não. Não vai passar. Você nunca mais será a mesma pessoa, pois experimentou (experimenta) a pior dor psíquica possível a um ser humano. Gostaria de parar por aqui e abraçá-la, mas tenho que pensar nos outros leitores. Os americanos, que têm mania de gráficos, fizeram uma “curva de dor” relativa à perda de filhos. Ela começa baixa, no aborto espontâneo de até três meses. Vai crescendo sem parar até atingir seu ponto mais alto: um filho, na casa dos 20. Se ele tivesse deixado descendentes, a dor seria menor. Se ele tivesse 40 anos ou mais, idem. Mas o que importa é sua dor, seu luto neste momento. Freud descreveu o luto como um processo doloroso que se divide em períodos. O reconhecimento da morte (eis a razão de se poder ver o corpo no velório). A sensação de vazio, a perda de todo um investimento. Finalmente a recuperação das boas lembranças, a herança afetiva do ente querido. Lydia, não há apenas um jeito de você homenagear seu filho, de mantê-lo vivo de algum modo. Você pensa que sua dor despedaçadora é este jeito, por isso não quer que ela passe. Mas conceba a beleza que foi a experiência de conviver com ele. Tudo o que você aprendeu e desfrutou de sua breve existência. Permita-se aceitar a herança dele em seu coração, e você conseguirá um pouco de paz, mesmo que nunca mais volte a ser a pessoa que era.

Consulta: Alcoolismo Patológico

 (Publicado em 31 de janeiro de 2012)


Meu marido é um amor de pessoa, carinhoso comigo e com as crianças, trabalhador, honesto e tantas outras qualidades. Sei que ele me ama, e eu também o amo. Mas de uns tempos para cá tem acontecido uma coisa muito estranha com ele. Se ele bebe, não importa onde esteja, parece que lhe baixou um santo, ele fica tomado por um ser estranho, violento e agressivo, como se tivesse se transformado em outra pessoa, que eu não reconheço. E não precisa ser muito não. Dois whiskys e pronto. O Sr. já viu alguma coisa parecida?

Daisy

Prezada Daisy,

Já vi sim. É provável que ele sofra de uma doença chamada “alcoolismo patológico”. Não significa que seu marido é alcoólatra, mas que o álcool altera, mesmo em pequenas doses, a química cerebral dele de tal forma que, de fato, a pessoa se torna irreconhecível. Há vários que destroem bares, vão parar na polícia, são capazes de cometer crimes. A coisa é séria. Por sorte, existem vários graus de gravidade da doença e parece que a do seu marido não é das mais graves. Algumas pessoas chamam o alcoolismo patológica da doença de “O médico e o monstro” (o nome de um filme antigo). A pessoa portadora, se notificada judicialmente da doença, passa a ser considerada responsável com agravantes se cometer algum deslize sob uso de álcool. Ele deve reconhecer o que lhe acontece, procurar um psiquiatra para saber se é isso mesmo, e passar a ir ao AA, pois precisa do programa de “álcool zero”. Não há cura até agora, só controle.

Consulta: Será Lésbica?

 (Publicado em 31 de janeiro de 2012)


Minha filha de 17 anos terminou com um namorado e agora anda “ficando” com uma colega do colégio. Não consigo falar com ela, pois estou desorientada com a idéia de ter uma filha lésbica. Eu me separei do pai dela quando ela estava com sete anos e nunca mais me casei. Estou me sentindo muito culpada por não ter dado uma referência masculina para ela. Serei eu a causadora dessa desgraça?

Eneide

Prezada Eneide

Em  primeiro lugar, ter uma filha lésbica não é nenhuma desgraça. É apenas uma das variações da natureza. Os homens nascem com sua orientação sexual determinada, ao que tudo indica, pelos genes, e não há nada que mude isso. É coisa muito mais rara entre as mulheres. É verdade que algumas poucas meninas nascem lésbicas e assim serão pelo resto de suas vidas. Mesmo as “tom boys”, as meninas que nascem com cabeça de homem, que odeiam bonecas e vestidos, não crescerão lésbicas. Ao contrário, serão a minoria. Outras são capazes de transitar de uma preferência para outra sem muitos problemas, pois o patrulhamento social é muito menor. São capazes de experimentar o sexo com outras meninas sem culpa ou transtornos, o que não acontece com os meninos (exceto até o fim da adolescência). Às vezes se dizem “cansada dos homens”, e passam um período homossexual, voltando a eles depois. Se você se preocupa em não ter netos, esqueça. Se ela for mesmo lésbica e tiver vontade de ser mãe, há vários meios atuais para isto. E você não é culpada de nada.

Consulta: Babá Viciante

 (Publicado em 31 de janeiro de 2012)


Minha filha tem três anos e é uma menina inteligente, bem articulada, independente, nunca nos deu problemas. De uns tempos para cá ela mudou. Está manhosa, chora quando eu saio para o trabalho, se recusa a comer, só quer mamadeira, ela já dormia sozinha e agora só quer ir para a nossa cama, até está falando como neném. Não sei o que aconteceu. A única novidade na vida dela é a babá que está conosco há quatro meses, mas não só minha filha adora a Lia como a Lia é apaixonada por ela. O que pode ser isto?

Márcia Stull

Prezada Márcia

Sua filha estava crescendo bem mas regrediu. Há algumas coisas que produzem regressão em uma criança, tais como o nascimento de um bebê novo, como uma demonstração de ciúmes; uma situação traumática que lhes cause medo, como a entrada para um colégio hostil; e outra, mais freqüente e mais sutil do que se imagina: a pessoa que mais se ocupa dela tratá-la como um neném. Às vezes é a avó ou outro parente, mas suspeito que no seu caso seja a babá. O fato de elas se adorarem é que torna a coisa sutil. Algumas babás, querendo se tornar indispensáveis e não perder o emprego, infantilizam uma criança com a sedução de torná-las bebês. Dão comida na boca quando ela já comia sozinha; carregam no colo quando ela já podia andar, falam com ela em linguagem de neném, e assim por diante. Amar uma criança requer atender suas capacidades, não apenas dar-lhe proteção. Preste atenção ao que acontece entre elas. Se for isso, tenha uma conversa séria com a Lia, que, se não funcionar, é caso de demissão.

Consulta: Medo De Compromisso

 (Publicado em 31 de janeiro de 2012)


Estou namorando há três anos. Na verdade, nem sei se posso dizer isto, pois esse rapaz desconversa quando quero fazer planos com ele. Nós nos gostamos, ele me procura, mas é só eu falar em noivado, casamento, aliança, papel passado e ele se retrai, some uns dias. Estou insegura, preciso de garantias.

Giselda

Prezada Giselda,

É duro dizer, mas garantido mesmo na vida só a morte e os impostos. Você tem todo o direito de querer se casar e ter um companheiro que divida com você a trabalheira e o custo que criar uma família contêm. Há muitos homens que têm a mesma vontade, e que não se negarão ao ritual (aliança, papel passado etc.). Há outros que têm horror a isso tudo, e que fogem ao primeiro pedido de “discutir a relação”. E ainda existem os do meio-termo: tem vontade de fazer família mas se arrepiam diante de manobras que lhes parecem um aprisionamento. Querem, mas não se sentindo tocados como boi para o matadouro. Quando vamos atravessar uma rua, olhar para os dois lados não nos garante contra o atropelamento. Mas aumenta muito as nossas chances. A coisa que mais aumenta as chances de um relacionamento dar certo é a amizade entre o casal. Consideração, “amor companheiro”, solidariedade, compreensão, apoio. E não cobrança, sarcasmo, chantagem emocional, reclamações, “então eu vou junto”, grude, falta de vida própria. Se você puder dizer “eu sou sua amiga e peço…” em vez de dizer “eu sou sua namorada e exijo…”, bem, garantias não haverá, mas as chances aumentam muito.

Consulta: Filho Nerd

 (Publicado em 31 de janeiro de 2012)


Meu filho tem  13 anos e me preocupo com o futuro dele. É um menino que não gosta de futebol, não tem nenhuma turma, apenas poucos amigos, prefere ficar em seu quarto lendo ou jogando videogames no computador. Ele vai bem na escola, mas tenho medo que seja considerado um “nerd”. O Sr. não acha que eu deveria empurrá-lo para que ele superasse suas limitações?

Marlene Albuquerque

 Prezada Marlene,

Seu filho é um indivíduo, com características próprias. Ele não tem que ser como a maioria. Se ele calça 42, não deve ser forçado a usar sapatos 39. Como ser único que é, você pode incentivá-lo a interagir com o mundo pelos caminhos daquilo que gosta. E ele tem uma imensa vantagem: gosta de coisas! Minha maior aflição é com as crianças que não se entusiasmam com nada, porque seus pais anteciparam seus desejos, dando-lhes coisas que eles ainda não valorizavam, uma doença da modernidade. Aprenda a ler seu filho, como se fosse uma língua estrangeira, e a falar com ele em seu idioma especial. Todos nós temos fronteiras, assim como os países e estados. Limitação é um termo pejorativo, supõe que algo está errado. As fronteiras da honra, do certo e errado, da dignidade, da segurança e da busca da independência financeira podem ser fixas, e é bom que sejam. Outras, como a da sociabilidade, vão mudando com o tempo. O MSN é uma que amplia a fronteira entre os jovens. As minhas, cá e lá se encolhem. Prefiro uma conversa pessoal a ir a festas (já até gostei de dançar). Não considero isso uma limitação, mas uma decorrência do aprendizado sobre meus desejos.

Consulta: Olho Por Olho

 (Publicado em 31 de janeiro de 2012)


Sei que o Sr. responde a outros assuntos além dos sentimentais. Quero saber o que o Sr. pensa da pena de morte. A Bíblia diz “Olho por olho, dente por dente”, e vemos criminosos sendo soltos a toda hora, mesmo com sentenças de 600 anos. É revoltante. Gostaria de vê-los mortos de uma vez.

Anísio Pereira

Prezado Sr. Anísio,

Não é a Bíblia que diz esta expressão, mas o código de Hammurabi, muito mais antigo que ela. No entanto, ela é a sede de vingança que está em nossos sentimentos. O Sr. tem toda a razão de se sentir indignado frente ao nosso sistema penal. Quem recebeu pena maior que 30 anos precisa ser removidos de nosso convívio, portanto a prisão perpétua é funcional. A idéia de que a cadeia corrige o criminoso é ilusória. O transgressor recuperável não deve ir para a cadeia, escola do crime e da revolta, mas receber pena alternativa. A pena de morte, além de não ser redutora do crime, é irreversível, não deve ser aplicada pelo Estado defensor dos direitos do cidadão. Depois do exame de DNA, vários condenados ao corredor da morte foram postos em liberdade por erro judiciário, nos EUA. Se o Sr. pensar bem, o Brasil pratica, há anos, uma pena de morte sem julgamento (feita pelas “polícias mineiras”)  que não têm efeito na redução da criminalidade, mas, se assumidas por cidadãos e pelo Estado que os representa, diminuiria nosso senso de civilidade, nossa capacidade de reconhecer erros, e nosso senso de justiça, aumentando apenas nossa sede de vingança.