quarta-feira, 14 de outubro de 2020

Consulta: Viagra

 (Publicado em 31 de janeiro de 2012)


Oi. tenho 24 anos e meu namorado tem disfunção erétil. Para mantermos uma boa relação sexual, ele necessita de medicamentos. Contudo, quando ingere o remédio, acabo ficando quase obrigada a manter a relação, não só para não magoá-lo, mas também porque sei o quanto são caros os remédios e o esforço que ele faz para adquiri-los. O que devo fazer?

Caroline

 Prezada Caroline,

Quando a gente desenvolve um raciocínio lógico, deve-se sempre perguntar se o começo, a premissa, está correta. Se ela não estiver, não adianta o raciocínio ser bom, a resposta estará errada. “Meu namorado tem disfunção erétil”. Será esta uma premissa correta? O que tenho visto no consultório é que os rapazes estão pressionados para ter um desempenho sexual formidável. A pressão causa-lhes medo. Ora, não há nada como o medo para impedir a ereção, não importa o desejo envolvido. Para contornar esse medo, é comum que rapazes perfeitamente normais se valham dos Viagra da vida. O problema então não estará na disfunção erétil, mas no medo. Você não sabe, mas é enorme o número de homens que tem medo de mulher, do julgamento que elas vão fazer de sua virilidade, e quanto mais valorizadas elas são por eles, mais medo eles têm. Minhas sugestões: pergunte para ele se a “disfunção erétil” se apresenta quando ele se masturba (não se incomode em perguntar, todos os homens se masturbam). Não? Pois então ele não tem disfunção erétil nenhuma, só tem medo. Outra: peça a ele para não usar mais remédio, pois você não estará esperando penetração, e sim diversão. Diga mais, que o doutor proibiu penetração durante um mês, pode-se fazer de tudo, todas as boas brincadeiras que a atividade sexual contém, menos penetração. Todos os pacientes a quem fiz esta imposição acabaram chegando para mim com um sorriso maroto, dizendo que tinham me desobedecido… e foram felizes por… um bom tempo.

Consulta: Pai Com Alzheimer

 (Publicado em 31 de janeiro de 2012)


Meu pai tem Alzheimer e já está há mais de 6 anos vegetando. Mas a mulher mantém uma equipe de mais de dez profissionais, a custos altíssimos, todos empenhados em sugar o pobre vegetal, preservando sua vida. A casa é uma festa permanente, com champanhe rosé e flores para receber os amigos dela, onde impera absoluta sobre o mausoléu. Tal festim macabro vem consumindo o dinheiro dele rapidamente. Meu dilema é que quero e não quero que meu pai morra. Cada vez que desejo que ele descanse, me acomete um sentimento de culpa, e uma acusação interna de mesquinharia, pois sua herança se torna cada vez menor. A raiva contra a “imperatriz” também é perturbadora. Como o sr. poderia me ajudar?

Quase-órfã

Prezada Quase-órfã,

No fundo do nosso coração nossos sentimentos nunca são únicos. Especialmente quando se dirigem a nossos pais, então… Mágoas e ternuras se misturam, no que os americanos chamam de “mixed feelings” (sentimentos misturados). É o exemplo da maior complexidade que existe no planeta: o cérebro humano. Nenhuma ação humana tem causa única, cada uma puxando para seu lado com peso diferente, e resultando a cada momento na soma das mais pesadas. Chama-se a isso “dialética”, não aquela dos comunistas (hegelliana), mas a do pensamento complexo de Edgar Morin. Não se espante ou se condene por isto. No momento não vejo outra saída senão se conformar, mas quando seu pai morrer você vai novamente enfrentar a mistura de alívio e dor, pois quem morre não é o pobre vegetal de hoje, mas o conjunto de memórias afetivas que ele representou pela vida. Toda minha compaixão por você nos dois momentos. E meu protesto por não deixarem pessoas sem esperança partir em paz, sem medidas heróicas.

Consulta: Abuso Sexual

 (Publicado em 31 de janeiro de 2012)


Meu filho teve brincadeiras sexuais com um menino mais velho (ele tem sete anos, o outro tem 13), por iniciativa do outro, eu não sei bem o que se passou, mas estou com vontade de matar o menino e os pais dele. Também estou com vontade de dar uma surra no meu filho, e morrendo de medo de que ele se torne um homossexual. Todas essas vontades passam pela minha cabeça, mas não sei o que fazer, porque quero fazer o melhor para meu filho.

Antônio

Prezado Antônio,

Em primeiro lugar, parabéns por parar para pensar. Agir, num momento desses, poderia ser bem pior. A humanidade deu um grande passo quando admitiu o estado de “não sei”, abandonou as certezas de cada tempo e parou de queimar “feiticeiras”, porque não estava bem certa daquilo que elas eram. Há algumas coisas básicas: as crianças devem brincar com outras de sua própria faixa de idade: isto previne abuso de força. A sexualidade das crianças não deve ser estimulada por ninguém, seria como colocá-las para dirigir um carro (o que é muito gostoso) sem que tivessem o treino e a responsabilidade para a coisa (que também é muito perigosa). Considere se a confusão que você vai provocar não causa mais dano do que aquilo que já aconteceu. Considere se seu filho gostou ou não do acontecido. Considere se houve violência, abuso de força. Minha sugestão é: mantenha seu filho longe dos maiores; não converse com os pais do menino, a menos que tenha certeza de sua serenidade, pois o barulho que se faz em volta do abuso sexual infantil costuma ser pior do que o próprio abuso; acolha seu filho para que ele não se sinta culpado, e, por fim, tenha a certeza de que ninguém pode transformar seu filho em um homossexual se ele não tiver nascido com esta propensão.

Consulta: Paixão Tardia

 (Publicado em 31 de janeiro de 2012)


Casei-me cedo, meio sem querer, sem paixão, por aquelas coisas que a sociedade espera de nós. Da mesma maneira tive dois filhos. Isso foi uma revolução em minha vida, pois com eles aprendi o que era sentir amor. A idéia de sentir amor, de me apaixonar de verdade por alguém, tomou conta de mim. Minha vida de casado não era insuportável, mesmo nossa vida sexual era satisfatória, poderia “ir levando” a coisa por um tempo indeterminado. Mas a idéia de estar disponível para a paixão me fez, depois de dez anos de casamento, ambicionar uma vida mais plena, e afinal, pedir a separação. Não desgosto de minha ex-mulher, acho que podemos ser amigos para sempre, e também não acho que ela tenha sido assim tão apaixonada por mim ao ponto de que eu tenha destruído sua vida. Mas isso é muito diferente do que fui ensinado a fazer. O sentimento de culpa me ronda, assim como a dúvida se fiz uma imensa besteira. O que pode me dizer?

Rodolfo.

Prezado Rodolfo,

Quantos de nós não têm a mesma dúvida, o mesmo questionamento que você? O que me revolta é que caiamos na linha de montagem que o senso comum nos impõe. “Já me formei, já estou empregado? É hora de entrar para o rol dos ‘homens sérios’ e me casar. Vinte e dois anos é muito cedo para formar uma sociedade pelo resto da vida. Se você pudesse voltar atrás, eu sugeriria uma convivência de dois anos, pelo menos, antes de ter filhos. Sei que agora é tarde, mas pense bem na próxima vez. A paixão não é um bom critério para ter filhos. O amor companheiro, se ele surgir (porque a paixão passa em três anos), é. Quem somos nós para julgar sua ambição? Quem pode estar dentro de você para saber dos seus desejos? Consulte-se, por algum tempo para entender os custos e os benefícios de sua decisão. Não queime pontes que impeçam uma volta à convivência com sua família.

Consulta: Alcoolismo

 (Publicado em 31 de janeiro de 2012)


Prezado Daudt,
Lí sua coluna, esta semana, pela primeira vez (não costumo ler a Folha). Tenho um psiquiatra. Conto para ele detalhadamente a situação, ele fica olhando fixo para mim, e não me diz absolutamente nada. Só me dá receita. Achei que V. poderia, talvez, ver uma luz no fim do túnel.

Tenho 62 anos. Tenho enfisema e uma separação litigiosa não resolvida. Vivo de um auxílio-doença do INSS. Do meu casamento tenho uma filha (23 anos) e um filho (17 anos). Há mais de 10 anos minha ex-mulher virou outra pessoa (menopausa?). Não quis mais saber de sexo, passou a ser minha crítica voraz. Nos mínimos detalhes. E eu a vinha suportando, sem reclamações, ao longo desses últimos 11 anos, principalmente porque não poderia viver só, por causa da doença. Mas ela transmitiu essa aversão que passou a ter por mim para os filhos, que se viraram contra mim. O menino falou em me matar três vezes. Tudo isso, juro por Deus, sem nenhum motivo lógico. E eu que me pensava querido! Depois disso me retirei e agora moro sozinho.

Nunca mais falaram comigo. A solidão está sendo terrível. Passei a beber muito, muito mesmo. E não tenho um amigo sequer.

Precisaria de uma companheira, mas doente e com problemas de ereção? Além disso, não suportaria conviver com uma velha como eu. Falei para minha filha que gosto de moças na faixa de 25 anos, e ela brincou que sou pedófilo… Será que sou? Pensei em conhecer uma moça nessa faixa de idade, fazer um tratamento médico (atualmente existem soluções para disfunção sexual), mas qual moça de 25 anos iria querer um velho, embora, com USP, PUC e bastante cultura, a não ser por interesse? E interesse em que?

O que deve fazer um velho nessa situação? Suicidar-se?

Saudações.

SANTOS

Prezado Santos,

O problema é que você já está se suicidando, pela bebida. O que é compreensível, pois sua situação é mesmo triste. Mas beber muito, viver sozinho e ter enfisema fazem uma mistura extremamente perigosa. Você não é pedófilo, a mãe natureza é que, madrasta de história infantil, faz os homens se atraírem pelas jovens, mesmo quando, como é o seu caso, esse objeto de desejo não seja nem um pouco realista.

Mas tenho algumas sugestões práticas que podem lhe valer. Primeiro: troque de psiquiatra. O remédio que ele está lhe passando é um calmante, não vai lhe dar forças para agir e mudar o rumo que sua vida está tomando. Você precisa de um antidepressivo e de alguém que se interesse por você e que converse com você.

Segundo: pode ser que, na sua doença (alcoolismo), esteja parte da solução. Gostaria que você pudesse contar com uma psicoterapia, pois a melhor maneira de combater a depressão é unir remédios com terapia. Mas entendo o quanto isso pode ser difícil, pela sua situação financeira. Apesar de que vários serviços universitários (de psicologia e de psiquiatria) contam com psicoterapêutas em fase de formação que atendem e acompanham os pacientes de graça. Mas há uma terceira via para que você tenha, ao mesmo tempo, cuidados eficientes para combater o álcool, um meio social onde você pode encontrar conversa e afeto e apoio moral amplo. São os AA (alcoólicos anônimos). Tenho grande admiração pelo bem que essa instituição faz às pessoas. Não há pagamentos, você encontra gente de todas as classes sociais, ninguém se sente melhor do que ninguém (mas também não se considera pior), pois todos são igualmente impotentes frente ao alcoolismo, há respeito, humildade sincera, enfim, acho que é seu lugar de escolha. Boa sorte para você.

Consulta: Mulher Gay

 (Publicado em 31 de janeiro de 2012)


Vivo há 8 anos com uma mulher, nos conhecemos há 10. Ela foi minha primeira experiência homossexual.  Nossa relação trouxe consequências, no mínimo, desastrosas para minha vida familiar, profissional e financeira. Porém, apesar de tudo tenho por ela uma (paixão, dependência, vício???) atração mórbida.  Hoje moramos juntas por conveniência, mesmo assim ela já me pediu para que fosse embora.  Não transamos a quase 1 ano,  e em alguns momentos ela chega a ser carinhosa.  Penso em me envolver com outra pessoa para ver se essa “doença” acaba.  Queria muito poder saber porque não ponho um final nessa situação, do que tenho medo?  Vivo deprimida e infeliz.  Como descobrir o que acontece comigo?

Vanja

Prezada Vanja,

A homossexualidade feminina funciona bem diferente da masculina. Quando Kinsey fez seu relatório sobre a sexualidade dos americanos, em 1948, ele estabeleceu uma escala de comprometimento com o desejo homoerótico para os homens, que ia de 0 a 6 (em escala crescente de desejo homossexual: 0 = nenhum; 6 = absoluto) pois entendeu que, com as mulheres, a coisa era muito mais variável. Nenhuma podia ser bem classificada (talvez a zero e a seis pudessem). Elas tinham menos medo do rótulo de homossexuais do que do rótulo de prostitutas, e portanto acabavam tendo “períodos” de homossexualidade, e muito poucas se chamavam de lésbicas. Para você ter idéia, o número do grau 6 nas mulheres é a metade do de grau 6 nos homens (de 2 a 3% da população masculina contra 1 a 1,5% da feminina). Outra diferença é a do grau de envolvimento pessoal. Como os homens tendem a olhar o sexo dissociado da relação pessoal, e com as mulheres costuma acontecer o contrário, os relacionamentos lésbicos são romances. Você não verá nenhuma lésbica passando num banheiro público depois do trabalho à procura de uma “rapidinha”, coisa comum entre gays.

Você vive, ao que parece, uma situação que é mais comum entre casais de homem e mulher. Não é incomum, nos relacionamentos estáveis de homossexuais de ambos os sexos, que eles se espelhem nos relacionamentos héteros: ciúmes, exigências de fidelidade, papéis de macho e fêmea caricaturalmente assumidos, dependências financeiras, implicâncias e crueldades, sado-masoquismos, medo de solidão, insegurança de encontrar alguém mais (“ruim com ela, pior sem ela”), ilusão de que aprisionar é garantir alguma segurança, enfim, toda espécie de praga que corrói o bom amor companheiro que poderia existir entre duas pessoas. Essas pragas podem preencher uma vida, e assim tornarem-se um vício. Os vícios são muito difíceis de combater. O tratamento dos vícios (sobretudo os vícios de parceria, como a roda de amigos alcoólatras, “junkies” e casais) exige mudança de círculo social, separações, mudanças de emprego, às vezes de cidade. É uma dureza. A esperança reside numa expressão americana típica: “Get a life!” (em uma tradução livre seria algo como “Arranje uma vida para viver, não fique vivendo na órbita de ninguém!”). Eu sei que não é fácil, sinto muito.

Consulta: Moralismo

 (Publicado em 31 de janeiro de 2012)


Por que hoje em dia moralidade é confundida com moralismo?

Por que não concordar com traição soa tão careta atualmente?

Por que alguém pode passar por cima dos nossos sentimentos com tanta facilidade, só pra satisfazer um desejo (q sempre passa)? Porque faz, se sabe que vai se arrepender depois?

Moralidade existe para possibilitar a convivência entre todos… Mas ninguém respeita isso.

E quando sou vítima, tenho a obrigação de perdoar, como se eu fosse o mau da história.

Não consigo entender…

Klebs

Prezado Klebs,

Se você olhar no dicionário vai ver que moralismo significa “defender preceitos morais”. Você é um moralista e todos nós devíamos sê-lo. O que acontece é que a expressão antiga “falso moralismo” foi, com o tempo, perdendo o “falso” e ficou a impressão de que moralismo é o mesmo que falso moralismo. Mas não é. A palavra vem de “mores”, os costumes, em latim. Como vemos no Brasil de hoje, precisamos mais e mais de moralistas (no sentido original). Os principais moralistas deveriam ser os pais e as autoridades, pois o exemplo vem de cima. Quando esses nos traem, a tendência é haver deterioração dos costumes. Quando a moral é ofendida, esteja ela na letra da lei ou não, os costumes se corrigem com punições. Como você vê, é outro problema que vai além da esfera pessoal, pois a impunidade anda generalizada. Nas questões pessoais, como na sua, o perdão é um assunto de foro íntimo, dos limites da sua tolerância, não aceite imposições do senso comum, não se deixe intimidar pelo rótulo de “careta”. Você não tem obrigação de perdoar coisa nenhuma. A virtude é fruto de uma mistura de boa formação com o sentimento de más conseqüências caso ela seja transgredida. É como um motorista que pára no farol vermelho, meio porque acha que deve, meio porque pode levar uma multa. Se ele não corre perigo de multa, se seu delito não traz as más conseqüências, a tendência é que ele vá se tornando inconseqüente. A mesma coisa se passa nas relações pessoais.

Não tenha medo de ser moralista e, se ofendido, de produzir conseqüências. O parceiro banana estimula a tirania e o desprezo do outro, enquanto que o parceiro seguro de sua honestidade e firme em sua postura inspira o mesmo respeito que os bons pais inspiram. O bom companheirismo vem da sensação de troca justa. A aceitação da injustiça estimula a canalhice, seja em casa, seja em qualquer situação (como você está vendo pelos jornais).