(Publicado em 10 de dezembro de 2011)
Quatro amigos se encontram num restaurante quieto, eu, mais um anestesista cristão, adorador da lógica (donde, em perene e lindo conflito), um advogado e economista, e um analista de sistemas, que calha de ser meu cunhado (ó sorte, um cunhado de quem se gosta).
Não quero saber de psicanalistas, quero diversidade de conhecimento científico. Somos neo-iluministas, apreciadores da razão. Hamilton, nosso advogado, desta vez estranhou a valorização da virgindade, como as sacerdotisas vestais em Roma, e a associação da virgindade com a pureza, até nossos dias.
Quando o assunto é teologia, ética, filosofia ou epistemologia, o advogado e o anestesista produzem dados que nós, psicanalista e analista de sistemas (eu digo que ele é muito mais generalista do que eu, já que eu analiso apenas um sistema, o psi, e ele analisa múltiplos) questionaremos, abriremos debate. É muito divertido e enriquecedor. É como uma namorada minha reparou quando fomos de carro para Búzios (à paulista, dois homens na frente, duas mulheres atrás, nem sei se é a praxe paulistana, mas é assim que chamamos no Rio). Minha irmã dormia, minha namorada estava ouvindo minha conversa com o cunhado.
Comentou: “Vocês só falaram assuntos! Não falaram nada sobre os comportamentos das pessoas, discutiram sobre as vantagens do ciclo Otto sobre o ciclo Wenkel nos motores à explosão. Nós nunca falaríamos sobre isto!”
É coisa de homem, querida, assim são nossas conversas no restaurante quieto. É da natureza humana.
Pois então, colocado o assunto da virgindade, a bola estava comigo, aquele que, dentre outras, gosta da psicologia evolucionista.
A pior traição que um homem pode sofrer é criar o filho do cuco. O cuco é uma ave que põe seus ovos em ninhos de outros. O filhote do cuco costuma ser muito mais forte que seus “irmãos”, e a primeira providência que toma é empurrá-los para a morte, comendo todo alimento que seus “pais” trazem.
Imagine agora um homem dedicado a criar um filho que não é seu, o bastardo. Anos de trabalho e de cuidados para alimentá-lo, e educá-lo sem saber que é filho de outro homem. É completamente diferente da adoção, quando este cuidado é por escolha, amor e com plena consciência.
É a maior traição que um homem pode sofrer. A mãe tem certeza que o filho é seu, mas, e o pai? Não por acaso um judeu só o é se for filho de judia.
Eis porque a virgindade foi eleita como virtude: ela era o oposto da traição e da promiscuidade. O desvirginador era o pai, por certo. Isto antes dos exames de DNA. Mas essas modernidades levam tempo para entrar em nossa compreensão emocional.
A espécie tem que lidar com o cio oculto: a mulher pode ser fértil 30 dias por mês, com maiores probabilidades em torno do 14º dia do ciclo. Não há controle possível. Estupros, violências contra a mulher e adultério aceleram a ovulação. O homem que cuida de sua mulher e de sua cria tem a vantagem de fazê-los se dar bem. Pela fertilidade, o cafajeste sempre levará vantagem. Mas a cria bem cuidada estará sempre em vantagem.
Material publicado na coluna “Natureza Humana”, da Folha de São Paulo.