(Publicado em 07 de julho de 2011)
Em uma de suas crônicas, Joaquim Ferreira dos Santos elogia um aparelho imaginário que nunca construí, mas que inventei: o humildificador. Ele é simples: traz a pessoa à sua devida desimportância, deixando-a feliz e livre para expor seus pensamentos, sabendo que eles não são assim de tamanho a mudar o mundo, que são opiniões pessoais, mesmo que defendidas com lógica irretocável. Faço uso dele a cada vez que escrevo para você. Seus raios são amorosos, companheiros e gentis. Eles dizem que estou fazendo o bem, mostrando aspectos da natureza humana que você não tinha levado em conta e poderiam te meter numa roubada daquelas, ao mesmo tempo em que me mostra como é gostoso fazer o bem, que ele se paga em si.
Mas, enquanto sou despretensioso na forma literária (só quero que me entendam), sou ambicioso em mostrar coisas não pensadas que possam ajudar o leitor a se sentir mais dono de si. Foi quando o artigo tão carinhoso comigo do Joaquim me provocou a demonstrar a diferença de dois aspectos de nossa natureza completamente opostos entre si.
Falo da humildade e da humilhação. É, eu estou entrando dentro da complexidade do cérebro humano. Acontece que o Joaquim, que tem site, blog e essas tais coisa modernas às quais ainda não me adaptei, tem recebido pedradas, escárnios e insultos dos leitores numa tal “caixa de comentários”, a que fui apresentado por ele, e que ele considerou que fosse o humildificador “digital”. Ora, telefonei para ele dizendo que discordava radicalmente de sua tese.
Meu modesto humildificador faz qualquer coisa, menos humilhar alguém. Ele diz que a humildade é uma virtude e que a humilhação é um insulto. Que ela só desperta a indignação (o ódio contido), ou mesmo um estado depressivo. Que essas pessoas pusilâmines, ocultas em seu anonimato covarde, obtêm o gozo sádico descrito por Bataille (“quando o artista – seja plástico ou escritor – se descobre medíocre, apela para a repugnância como expediente patético de se fazer notado”) através de operar o triunfo efêmero de ferir o famoso, destilando seu ódio e sua inveja por não serem capazes de uma produção semelhante. É como a glória do pichador de monumentos: para seu pequeno palco, ele obtém seus quinze minutos de fama: “Que lindo! Ele escatologizou o belo, frente à incapacidade de produzi-lo”.
Há um capítulo de um de meus livros (“O aprendiz do desejo”, Cia. das Letras) entitulado “O dilema fodão-merda”, que penso ser a propósito deste tema. O inseguro tem sua oportunidade de sair do sentimento de ser um merda através de tentar fazer com que o cronista se sinta como tal. Ele descobriu no outro um defeitinho para lhe puxar a orelha, nem que seja uma vírgula mal colocada. E até o Chico Buarque, que caiu na besteira de pôr uma caixa dessas em seu novo site, descobriu-se odiado, tais as barbaridades que leu lá. A isso se dá, em alemão, o nome de schadenfreude (alegria com o sofrimento dos outros). É uma triste contribuição da internet, entre outras tão boas. O meu humildificador é o oposto disso.
Material publicado na coluna “Natureza Humana”, da Folha de São Paulo.