quarta-feira, 14 de outubro de 2020

Natureza Humana: Humildificador

 (Publicado em 07 de julho de 2011)


Em uma de suas crônicas, Joaquim Ferreira dos Santos elogia um aparelho imaginário que nunca construí, mas que inventei: o humildificador. Ele é simples: traz a pessoa à sua devida desimportância, deixando-a feliz e livre para expor seus pensamentos, sabendo que eles não são assim de tamanho a mudar o mundo, que são opiniões pessoais, mesmo que defendidas com lógica irretocável. Faço uso dele a cada vez que escrevo para você. Seus raios são amorosos, companheiros e gentis. Eles dizem que estou fazendo o bem, mostrando aspectos da natureza humana que você não tinha levado em conta e poderiam te meter numa roubada daquelas, ao mesmo tempo em que me mostra como é gostoso fazer o bem, que ele se paga em si.

Mas, enquanto sou despretensioso na forma literária (só quero que me entendam), sou ambicioso em mostrar coisas não pensadas que possam ajudar o leitor a se sentir mais dono de si. Foi quando o artigo tão carinhoso comigo do Joaquim me provocou a demonstrar a diferença de dois aspectos de nossa natureza completamente opostos entre si. 

Falo da humildade e da humilhação. É, eu estou entrando dentro da complexidade do cérebro humano. Acontece que o Joaquim, que tem site, blog e essas tais coisa modernas às quais ainda não me adaptei, tem recebido pedradas, escárnios e insultos dos leitores numa tal “caixa de comentários”, a que fui apresentado por ele, e que ele considerou que fosse o humildificador “digital”. Ora, telefonei para ele dizendo que discordava radicalmente de sua tese.

Meu modesto humildificador faz qualquer coisa, menos humilhar alguém. Ele diz que a humildade é uma virtude e que a humilhação é um insulto. Que ela só desperta a indignação (o ódio contido), ou mesmo um estado depressivo. Que essas pessoas pusilâmines, ocultas em seu anonimato covarde, obtêm o gozo sádico descrito por Bataille (“quando o artista – seja plástico ou escritor – se descobre medíocre, apela para a repugnância como expediente patético de se fazer notado”) através de operar o triunfo efêmero de ferir o famoso, destilando seu ódio e sua inveja por não serem capazes de uma produção semelhante. É como a glória do pichador de monumentos: para seu pequeno palco, ele obtém seus quinze minutos de fama: “Que lindo! Ele escatologizou o belo, frente à incapacidade de produzi-lo”.

Há um capítulo de um de meus livros (“O aprendiz do desejo”, Cia. das Letras) entitulado “O dilema fodão-merda”, que penso ser a propósito deste tema. O inseguro tem sua oportunidade de sair do sentimento de ser um merda através de tentar fazer com que o cronista se sinta como tal. Ele descobriu no outro um defeitinho para lhe puxar a orelha, nem que seja uma vírgula mal colocada. E até o Chico Buarque, que caiu na besteira de pôr uma caixa dessas em seu novo site, descobriu-se odiado, tais as barbaridades que leu lá. A isso se dá, em alemão, o nome de schadenfreude (alegria com o sofrimento dos outros). É uma triste contribuição da internet, entre outras tão boas. O meu humildificador é o oposto disso.

Material publicado na coluna “Natureza Humana”, da Folha de São Paulo.

Natureza Humana: O Cérebro

 (Publicado em 29 de junho de 2011)


E a seleção natural criou o cérebro humano. Mas, por favor, não se engane. Apesar de se parecer com um título de filme do Roger Vadin, “E Deus criou a mulher”, com a Brigitte Bardot, uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa. Quando se trata de nós, deveríamos dizer “da seleção natural, sobrou o cérebro humano”. Melhor dizendo: você já entendeu que, se tomar pouco antibiótico, sobrará um germe resistente, não é? E esse é duro de matar. Pois foi isso que aconteceu conosco. Os parecidos com gente (antropo = homem + óides = com forma, ou seja, antropóides) que vieram da África foram sendo peneirados pela adaptação (uns eram uns idiotas que não tinham medo do escuro: foram devorados e não deixaram descendentes, e assim por diante), outros descobriram que podiam dividir caça (machos) e coleta (fêmeas). Elas cuidavam da rede social que partilhava informações sobre melhores frutos e melhores maneiras de cuidar de suas crias.

De algum modo, gestual, gutural ou finalmente verbal, foi surgindo a cultura. Pense a cultura como algo que se cultiva, como plantas ou vacas, histórias e ensinamentos passados de uma pessoa para outra, de uma geração para outra, mesmo antes de haver escrita, aquilo que você se lembra que sua avó contava, que você via na cozinha, no jeito de fazer pamonha. Pense em memória, o milagre do cérebro humano (não é exclusivo, é só ver os cães) extraordinariamente exponenciado.

Tenho um livro, “1001 invenções que mudaram o mundo”, que mora em um lugar especial de minha casa para que eu leia uma invenção de cada vez. Vejo ali a soma ancestral das memórias da humanidade, que não mudaram o mundo, elas mudaram nosso cérebro.

Ele se tornou mais e mais complexo. O livro não fala de uma complexidade paralela muito maior, que é a do desenvolvimento da nossa consciência, da percepção de que vamos morrer, de um vazio tremendo que só pode ser (ou imaginamos que possa) preenchido com a companhia de alguém mais, um derivado do mais forte dos comandos da seleção natural: a procriação.

No nosso caso, o sexo. Sim, porque em outras várias espécies o sexo é dispensável. Por definição, o sexo é um método de procriação que supõe o encontro de dois gêneros, e a negociação entre eles para que se acasalem em benefício de uma prole melhor (mais geradora de prole), e a negociação é sempre dura, seja entre pavões, seja entre você e aquela moça.

Mas isso são as forças dos genes. E se você quiser ser solteiro e estudar grego clássico? Qual o problema, neste mundo superpovoado? Você já pensou que somos sete bilhões de humanos sobre a Terra? Vá em frente! Pense que você é um indivíduo, e não uma formiga. Se quiser ter família, ótimo. Se não, uma vasectomia não é nada mais grave que uma ligadura de trompas, coisa que ninguém estranha. Que uma coisa é ser fruto da evolução de milhões de anos que produziu essa coisa estranha que é um cérebro pensante, e outra coisa é ser dono deste cérebro.

Material publicado na coluna “Natureza Humana”, da Folha de São Paulo.

Natureza Humana: O Que Querem As Mulheres?

 (Publicado em 02 de junho de 2011)


“O que, afinal, querem as mulheres?” Esta frase ficou célebre como a questão que Freud não soube responder. Recentemente, os psicólogos evolucionistas (que usam as teorias de Darwin para entender o comportamento humano) acham que resolveram o enigma:

“As mulheres querem casamento, garantias e prestígio”.

A primeira vez que li tal frase, achei-a de um machismo absurdo. Foi preciso me lembrar que eles, os psicólogos, falam do desejo genético, da força da natureza atuando em nós de maneira inconsciente.

Quais são seus argumentos para fazer tal afirmação? Eles dizem que tudo se resume à procriação. Enquanto para um homem, o procriar se reduz a alguns segundos, para uma mulher ele pode se estender em uma trabalheira de muitos anos, e em uma necessidade de muita, muita ajuda. Que o processo foi se gravando em nossos cérebros durante milênios de vida dura na savana africana, onde a ajuda do homem era ainda mais necessária para a alimentação e proteção. Mas… casamento na savana? Claro, não no conceito que temos hoje, mas um homem que privilegia uma mulher (ou um pequeno grupo delas) e suas crias, sim, e daí a demanda por prestígio e a disputa por ele, daí o ciúme e a competitividade entre elas. O quesito “garantias” viria da tendência desse grupo de mulheres olhar esse homem como de sua propriedade, e agir com se tal fosse, “cercando-o”, para garantir que o alimento e proteção se mantivessem voltados para elas.

E hoje em dia, poderíamos ver os vestígios desse desejo natural em operação? Acho que eles abundam. Senão vejamos: a despeito do movimento feminista, a imensa maioria das mulheres continua sonhando em se casar e ter filhos. E logo, pois sabem que o relógio biológico não perdoa e que a juventude é seu bem mais precioso. Tem peça de teatro chamada “Sou infeliz, mas tenho marido”. Elas se queixam de “os homens não quererem compromisso”. Elas pedem para que eles definam “a relação”. Elas buscam apresentá-lo às amigas, à família (essas consolidações externas do “casalzinho” são formas de garantias), elas pedem presentes ligados a datas (um mês de namoro etc.), que são demonstrações de prestígio. Elas gostam (muito mais que os homens) de andar de mãos dadas, como a marcar território. Elas se interessam pelo poder e pela condição financeira do homem em mira, portanto não é tão importante se ele é grisalho ou não (são raros os homens que pintam os cabelos, ao contrário das mulheres), isto se liga à sua capacidade de ajuda e proteção. Nos Estados Unidos, o proposal (o pedido em casamento) é o clímax da vida de uma moça, é quando ela recebe the rock (um anel com um diamante), o símbolo máximo da garantia e do prestígio que a promessa envolve.

É curioso ver que o principal ciúme das mulheres será de prestígio, e não sexual. Elas terão ciúmes da televisão, do carro, do futebol, dos amigos, do computador, da filha que ele tem do casamento anterior (e do dinheiro que gasta com ela). Enfim, tudo indica que a savana africana permanece pouco alterada em nossas mentes.

Material publicado na coluna “Natureza Humana”, da Folha de São Paulo.

Natureza Humana: O Sentido Da Vida Parte 1

 (publicado em 12 de maio de 2011)


Do ponto de vista da mãe natureza nós já nascemos com o sentido da vida, embutido em nossos softwares cerebrais, completamente pronto.

Dizem os genes masculinos para os seus portadores: “Procrie o mais que puder com o maior número de mulheres possível, escolhendo sempre as mais belas, as mais jovens, as mais dóceis, as mais inteligentes e as mais atenciosas com suas crias. Dê alguma atenção e ajuda a elas para que suas crias não sejam prejudicadas, mas nada que te impeça de partir para a próxima. De preferência, tenha um harém bem cuidado por eunucos (você não vai querer criar filhos de outros, claro) e vá incorporando novas pelos mesmos critérios. Para isso, você precisa se preparar desde o início da vida: torne-se belo, forte, alto, inteligente, mas sobretudo rico e poderoso. Lidere guerras que possam tomar do inimigo (qualquer outro homem) suas posses e suas mulheres, pois isto te enriquecerá e encherá teu harém mais ainda (um sultão do século 19 teve 840 filhos, um exemplo de homem comandado por seus genes). Se a política do seu pais te obrigar à monogamia, drible-a, sendo um polígamo seriado: você tem dinheiro para sustentar oito ex-esposas e suas crias, e você tem tempo para isto, já que os homens não envelhecem, podem continuar acumulando dinheiro e poder, além de serem férteis até a morte.”

Dizem os genes femininos para as suas portadoras: “Procrie o mais que puder com os homens mais belos, altos, fortes, inteligentes, agressivos, mas sobretudo ricos e poderosos. Se possível, case-se com um deles e cuide para que ele te prestigie e te dê garantias de provimento, para você e suas crias pelo maior tempo possível. Se você não conseguir um topo de linha, pode se casar com um mais ou menos: você sempre pode se oferecer e procriar com o patrão dele sem que ele saiba, e colher bons genes poderosos para suas crias, desde que a aparência delas não seja testemunha da sua traição. Prepare-se para isso: comece cedo, você não tem muito tempo, e juventude é seu maior cacife. Procure ser bela, e o sendo, pareça recatada: isto aumenta seu preço de compra e ilude o homem com presumida fidelidade sua. Não conseguindo ser bela, pode ser atirada e oferecida, mas procure parecer bela, usando todos os expedientes ao seu alcance para isto. O mesmo serve para a juventude (velhas nunca foram símbolos sexuais): pareça sempre jovem. Malhação, plásticas e pintar os cabelos servem a isso. Cuide bem de suas crias, pois serão raros os homens que se preocuparão com isto.”

É, a natureza é cínica e cruel para atingir seus objetivos. Ao ponto de os biólogos dizerem que a galinha é uma máquina inventada pelo ovo para fazer outros ovos.

Mas nós somos um bicho que pensa, que deseja ética, que filosofa, e que, portanto, busca um sentido na vida que difira daquele dos genes. Isto resultou em que há inúmeros “sentidos da vida” criados por nós, mas meu objetivo era falar do que ninguém fala: da natureza humana, esta força poderosa que carregamos ser saber.

Material publicado na coluna “Natureza Humana”, da Folha de São Paulo.

Natureza Humana: Morte

 (Publicado em 12 de abril de 2011)


O ser humano é o bicho mais esquisito sobre a face da Terra. É o único que sabe, com antecedência de anos, que vai morrer. A morte e o que ela faz com nossa cabeça antes de acontecer (já que depois é assunto para debate mais longo) é o nosso tema de hoje.

Vamos começar com a morte dos outros. Ela tem graus diferentes de nos afetar.

Se a gente é completamente impotente, como no tsunami do Japão, há um pequeno momento de compaixão seguido da mais total indiferença, e mesmo de um certo fascínio pelas estatísticas (quantos graus da escala Richter? Quantos mil mortos? Quero ver de novo no youtube as cenas do tsunami e aqueles carrinhos de brinquedo). As torres gêmeas até hoje parecem filme de ficção.

Se mesmo impotentes ela nos atinge por semelhança (a tragédia de Realengo), pois poderia acontecer com as nossas crianças, a aflição é maior, o fascínio é maior (vende jornal como pão quente), a vontade de ter uma explicação é maior (para que possamos dizer, “Ah, bom, isso não aconteceria com os meus”). São os mecanismos de defesa operando.

Se ela atinge uma pessoa jovem e querida, como a Lady Di, o James Dean (ai, meu Deus, será que alguém ainda se lembra dele?) ou o Ayrton Senna, mesmo sem conhecimento pessoal, sentimos dor verdadeira. Nós “amávamos” aquela pessoa, ela nos parecia íntima, o que nos leva a algum luto, que é um processo de digestão de uma perda importante. Choramos. O choro é um resíduo do nosso tempo de crianças, quando nossas dificuldades não podiam ser expressas em palavras. Temos dor, somos impotentes como um bebê, choramos.

Se ela atinge um velhinho de nossa família, quanto mais próximo, mais luto, mais digestão difícil. Morte longa, Alzheimer, câncer doloroso, pouco luto (“descansou”). Morte súbita, susto, mais luto, quanto mais viva parecia a pessoa.

Agora a coisa engrossa: morte de filhos. Os americanos, que amam uma estatística, fizeram uma curva de dor em relação a isto. Se você perde uma gravidez de até três meses, dor basal (a mãe natureza não quis). Quanto maior o tempo de gravidez, maior a dor, maior o luto. Nascido o bebê, a dor dá um salto e a curva de dor só faz crescer a partir daí. Ela atinge seu ponto máximo na perda de um filho homem de 20 anos que ainda não procriou (se ele teve filhos, a dor é menor) e morreu de acidente. Por que um filho homem? Raciocinam os neodarwinistas que você está perdendo uma descendência muito maior do que se fosse uma mulher (por razão semelhante a daqueles chineses, que matam o bebê, se for menina). A partir daí a curva da dor se estabiliza para começar a diminuir se o(a)  filho(a) passou dos 35 anos sem procriar. São razões contempladas pela economia: você investiu enormemente tempo, dinheiro e afeto, e seu investimento sumiu num estalar de dedos. Produz a primeira dor do luto: o vazio horroroso.

Sinto muito ser tão objetivo e conciso num assunto tão delicado, parece frieza, mas, acredite, não é.

O final menos infeliz é que Freud ensinou que o fim do luto é a herança calorosa das boas memórias.

Material publicado na coluna “Natureza Humana”, da Folha de São Paulo.

Natureza Humana: Dignidade Genética

 (publicado em 09 de maio de 2011)


Éramos uma família grande, morando numa casa grande de classe média alta no Cosme Velho, RJ, anos 60, quando Seu Amadeus veio ocupar a vaga de faz-tudo. E fazia. Menos servir à francesa, mal menor, pois fazia o resto tão bem que nossa mãe relevou. A casa era povoada por três gerações: meus pais; nós e os netos deles (eventualmente). Todos os netos eram apaixonados por ele. Os netos suíços, igualmente apaixonados por ele, chamavam-no “Messieur Badê”. Nós aprendíamos com ele se ia chover, pois “o Cristo cobriu-se com seu manto” (a estátua envolveu-se em nuvens), um jeito manso de dizer, os olhos perdidos na direção do Corcovado…

Ele ensinou as calopsitas a assoviar, as avencas a crescer. Quando eu matei a cascavel com um tiro de ’22, ele, serenamente, cavou um buraco de 1m para enterrá-la: “É garantia dela não voltar”.

Material publicado na coluna “Natureza Humana”, da Folha de São Paulo.

Natureza Humana: Imediatismo

 (publicado em 25 de fevereiro de 2011)


O Homer Simpson entrou no mercadinho do Apu e deu um jeito de ver, contra a luz, um bilhete de raspadinha de US$ 500,. Chegou na caixa com o bilhete e viu uma barra de chocolate. Tanto o bilhete quanto a barra custavam o que ele tinha no bolso: US$ 2,50. Teve uma crise de dúvida… mas comprou o chocolate e devorou-o na hora.

O que isso tem a ver conosco? É que nossa espécie é a única capaz de pensar a longo prazo, de antever (ai de nós, inclusive nossa própria morte). Resulta disto que estamos sempre em uma discussão interna entre o que Freud chamou de princípio de prazer e de princípio de realidade. O primeiro é mais primitivo, mais animal, mais instintivo, é aquele que diz dane-se para a camisinha, porque o momento é de loucura. O segundo é mais complexo e reflexivo, capaz de pensar em conseqüências, e, portanto, pensará em gravidez e em doenças venéreas, o que levará ao uso da camisinha. O primeiro somos nós manipulados pelos nossos genes. O segundo somos nós usando esta esquisitice com que a natureza nos dotou: a consciência.

Você já pensou que pode ser um velho pobre? Haverá destino mais cruel do que ser um velho pobre, na melhor das hipóteses jogado num asilo pelos parentes, para esperar a morte? É uma desgraça, mas estamos vivendo vidas cada vez mais longas, nada de morrer com trinta anos, como na idade das cavernas. Você tem sessenta? Pode bem ter mais trinta anos pela frente!

Digo isso porque vejo estar na moda o tal de “viver o presente”. Paro e penso: quem vive o presente? Só quem sofre de Alzheimer, pois não tem mais capacidade de acessar seu passado nem de projetar seu futuro. O brócolis vive o presente, e ainda bem que não sou um. Quando como uma fatia de bolo de milho com leite de coco, junto com a delícia do sabor estão as memórias de brasilidade, de orgulho de nossa cultura, de Dona Benta e tia Nastácia, personagens do meu passado que me dão mais água na boca, que alimentam meu espírito. Eu sou melhor pessoa depois desta experiência porque vejo beleza nela, porque tenho memória e capacidade de escolher os rumos de minha vida.

Como? Rumos de minha vida a partir de um bolo de milho? É porque ele é um ícone dos meus desejos, da minha estética, da minha ética. Sabe esses ícones da tela do computador, você clica duas vezes e abre-se um enorme arquivo? Pois o arquivo que se abre contém algo diferente do imediatismo, contém a vontade de repassar esta beleza ética-estética a meus filhos, o valor das coisas bem feitas, da cultura, da antevisão do que pode ser construído, do que se pode evitar de ser destruído, do desfrutar dessa qualidade da natureza humana que é o antever, o projetar, o construir um futuro melhor, mais justo, mais generoso conosco e com os outros, e como faz bem a nós mesmos o ser gentil, ser generoso, cuidar dos outros enquanto cuidamos de nós mesmos. Produz dignidade! Lembram-se deste valor? Dignidade e integridade, algo que só pode ser alcançado se preferirmos nossa capacidade de antevisão ao pensamento imediatista.

Sorry, Homer.