O amigo pergunta
“Como você conseguiu se formar psicanalista sem ser através de uma instituição?”
Francisco Daudt: Por causa de três segundos de hesitação. Eu era médico clínico desde 1971 quando, em 1976 resolvi me tornar psicanalista. Procurei meu antigo analista (de 1969 a 74), Roberto Quilelli, para saber com ele como proceder para uma formação.
Ele havia se tornado analista didata (formador de novos analistas) da Sociedade Brasileira de Psicanálise, na época de orientação kleiniana (de Melanie Klein). Diante de minha vontade, entendendo que um candidato precisaria passar por uma “análise didática”, ele me perguntou: “Você retomaria a análise comigo?”
Foi o momento em que hesitei por três segundos… e respondi, “Mas claro que sim!” Tremendo golpe de sorte: ele leu minha hesitação, mais que minha resposta, e disse: “Ok, vou falar com o Walderedo para a gente achar um analista pra você”.
Se não fosse pela hesitação dos três segundos, se não fosse ele inteligente como era, eu provavelmente seria hoje um membro da SBP, com formação kleiniana. Um desastre que ia, pelo menos, atrasar em muito minha vida.
É que a análise com ele não tinha sido nada boa. Como qualquer kleiniano, ele usava o Superego como ferramenta de “cura”. Como eu lhe disse, depois de uns dois anos de análise: “Ah, entendi o processo da psicanálise. É igual ao da igreja católica. Lá, você se arrepende dos seus pecados e promete não pecar mais. Na psicanálise, você se arrepende de seus sintomas e promete nunca mais tê-los.”
O que eu não disse foi que, tanto na igreja quanto na psicanálise, esse processo de “cura” não funcionava. Eu continuei pecando e eu continuava com meus sintomas. Entrei com eles e saí, cinco anos depois (e muita grana depois), com eles. As intervenções dele eram raras e enigmáticas. Eu não falava nada, pois estava intimidado com aquela representação rediviva do meu Superego.
Mas ele me ajudou muito a entender o tipo de psicanalista que eu… não queria ser. Fiquei com aversão a figuras suoeregoicas em geral, e na psicanálise em particular. Ele contribuiu muito para eu querer aprender sobre o Superego, e assim desenvolver a psicanálise que faço hoje.
O resto da história, encurtando, foi ele me mandar falar com o Waldredo Ismael de Oliveira, o super chefe da SBP, e ele me indicar o genro, Roberto Curi Hallal, para ser meu analista formador. Acontece que o genro não era daqui, tinha sido formado na Argentina pelo Angel Garma, um freudiano formado por Theodor Reik, que tinha sido formado por Karl Abraham, formado por sua vez por… Sigmund Freud em pessoa.
Foi assim que minha formação foi: fora de qualquer instituição; nem kleiniana, nem lacaniana (as duas opções de então, no Rio); totalmente freudiana (e eu, que não entendia nada do que Lacan escrevia, entendia tudo escrito por Freud). Foi assim que me tornei um analista em linha direta com Freud, uma “sexta geração”.
Ah, claro, minha segurança vinha também de eu ser médico, e médico tem um poder social ímpar, não se submete a ninguém.
Um somatório de várias sortes: eu ser médico; eu ter encontrado um analista freudiano não institucional; e… aqueles três segundos de hesitação, que foram bem compreendidos pelo Roberto Quilelli.
(Na imagem: Freud; Karl Abraham; Theodor Reik; Angel Garma e Roberto Curi).
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