A linha de montagem de nosso psiquismo: as origens da saúde e da doença psíquica.
1. Nascemos com características únicas, com necessidades e capacidades completamente dependentes do amparo dos próximos (a partir daqui, chamados de tribo de amparo).
2. Nascemos com um senso de justiça, do que é justo e se ajusta a nós, como uma chave que se encaixa numa fechadura.
3. A qualquer desajuste, nosso senso de justiça nos fará sentir incômodo, desconforto, dor psíquica ou raiva, e é esse sentimento que nos fará buscar ajustes, satisfação, como a fome nos faz buscar alimento, como o desejo nos faz buscar prazer.
4. Mas como dependemos da tribo de amparo, é muito comum que não sejamos atendidos à nossa medida: não sabemos nos comunicar; eles não sabem nos ler bem.
5. Uma criança comunica seu incômodo (o desajuste) de forma tosca: o choro não informa muito, a possibilidade de má leitura é grande.
6. Mas a necessidade de amparo é muito maior, portanto aprendemos desde cedo a moderar e a entubar nossos incômodos, pois se houver desamparo, tudo piora. É assim que se forma o Superego, uma instância em nossa mente que impõe: “vai aceitando tudo, se não…” Esse senão insinuado é a ameaça de desamparo, o maior poder de chantagem que há sobre nós.
7. Não saber negociar ajustes às nossas demandas é a base de entubarmos os atropelamentos e desatendimentos do nosso desejo.
8. Esses desencaixes entubados entre a tribo de amparo e nossas características é que vão se tornar a fonte de nossas doenças psíquicas. É isso que Freud chamou de Complexo de Édipo.
9. O complexo de Édipo nos congela na infantilidade: como já não sabemos mais o que nos atropelou, não sabemos pleitear o bom ajuste, não aprendemos boa negociação com o mundo; carregaremos desajustes calados pela vida afora, repetindo cenários externos atropeladores, buscando sem saber tribos novas de amparo parecidas com a original, prisioneiros da formatação básica: “aceite ou perca amparo”. É o que diz nosso Superego.
10. Aquele choque do complexo de Édipo com a tribo de amparo é então transferido para novas situações, e quando ele se repete, o nosso incômodo surgirá de maneira cifrada, difícil de entender: a doença psíquica.
11. É assim que toda doença psíquica contará a história de nossos desajustes e incômodos com a tribo de amparo, transferidos para a atualidade, revividos com a nova tribo de amparo… pela vida afora.
12. A psicanálise vem para decifrar a doença, entender o que ela conta, contemplar o desencaixe, permitir que esse adulto doente transforme sua doença em aliada, em fonte de conhecimento de si mesmo, no seu necessário aprendizado de negociação com o mundo, em busca de bom encaixe de seus desejos: em busca de ajuste; em busca de justiça.
A saúde mora na justiça, segundo Aristóteles, a maior das virtudes.
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