A psicanálise que proponho é uma defensora da democracia parlamentar.
Explico: a democracia precisa começar dentro de nós, em nossas cabeças. O regime habitual que lá reina é a tirania do Superego: o ditador “sabe o que é certo”, e “sabe o mal que se abriga em nossas almas”.
Em nome do “nosso bem”, nos mantém sob constante ameaça de desamparo, cobrando o impossível, julgando o irrelevante, fazendo drama de tudo, com o principal propósito de se manter no poder.
O Superego contém leis nunca discutidas. Quando vamos olhá-las, elas são idiotices absorvidas do senso comum de nosso ambiente da infância: não tínhamos escolha; era absorvê-las ou ser desamparado.
Quando um cliente me chega, ele já tem um nível de amparo razoavelmente independente daquele de sua infância. Então é possível começar a transição para a democracia mental: rever aquelas leis e aquelas crenças da tirania, conversar com elas, questioná-las, começar a transição democrática.
É esse o processo de cura, em psicanálise: a busca de justiça psíquica; a modificação das crenças e leis injustas que estão em nosso Superego desde a infância, e que continuam a nos aprisionar.
Portanto, o psicanalista tem um papel de curador: não só no sentido de buscar a cura, mas também no de cuidar do processo. Como um “curador de menores”, daquele menor que existe em nós.
Quando eu disse isso, num debate sobre psicanálise que aconteceu numa Bienal do Livro, no RioCentro, houve uma reação bizarra: dividiam a mesa comigo o Jurandir Freire Costa, o Joel Birman e um psicanalista português de quem não lembro o nome. Pois o Joel Birman aparteou: “É preciso não confundir ‘curador’ com ‘currador’”.
Pensando depois, considerei: não poderia haver uma intervenção mais ilustrativa de como funciona o Superego. Suas leis não são claras, suas ameaças são alusivas, insinuações, causadoras de choque e perplexidade. Você nunca sabe direito o que ele quis dizer, só que a acusação é algo de terrível….
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