segunda-feira, 17 de julho de 2023

COMO SE FORMA O SUPEREGO

 


Primeiro, equalização de nomenclatura: por razões práticas, vou usar os clássicos Ego, Id e Superego. Eles têm ganhado nomes novos, como “Eu, Isso e Super Eu”, mas, por razões de clareza, faço questão de traduzir seus nomes alemães originais:

Das Ich (o Eu);

Das Es (equivalente em inglês ao “The it”, como não temos pronome neutro em português, chamarei de “o Algo em mim”);

Das Überich (como “Super Eu” parece um Eu com superpoderes, prefiro a acepção alemã: “O Acima de Mim”).

1. Leitura freudiana - o Superego como parte da solução:

A resposta freudiana tradicional é que, quando a criança aceita a “castração” (equivale dizer, aceita os poderes do mundo externo sobre ela), seu complexo de Édipo se dissolve, e ela:

a. renucia ao amor/posse da mãe e abandona sua rivalidade com o pai;

b. absorve os valores da cultura, os “pode e não pode” e os “deve e não deve”, que passarão a vigiá-la e puni-la desde essa nova instância mental: o Superego.

O Superego é, pois, o herdeiro da dissolução do complexo de Édipo.

Dessa maneira, na leitura freudiana, o Superego seria muito bem-vindo, indispensável ao processo civilizatório, guardião da moral e dos bons costumes. Todos os nossos males viriam de não acatar bem suas ordens, não atender bem a seus ideais, não estar à altura deles. Seríamos permanentemente adestrados por seu poder de nos causar “angústia de castração”, a cada vez que saíssemos da linha.

2. Minha leitura: o Superego como parte do problema:

Minha leitura da formação do Superego tem divergências com a anterior: ela inclui dados da psicologia evolucionista e décadas de investigação psicanalítica da formação do Superego dos clientes. O que me levou a uma conclusão bem diferente: o Superego é parte ativa dos nossos problemas psíquicos, e nossos valores/ambições/metas não devem ser propriedade dele, e sim nossa, de nosso Ego.

Eis como entendo a formação do Superego: nascemos com softwares inatos. O DNA nos imprimiu um impulso de buscar prazer (que acaba nos levando a replicá-lo) e outro de evitar desprazer (que nos mantém vivo para realizar a tarefa anterior).

Outros softwares vêm igualmente com a máquina, para o bem ou para o mal, como o de orientação sexual, inteligência, obsessividade, narcisismo genético, TDAH, perfil mental masculino ou feminino (desvinculado da orientação sexual, ou mesmo do sexo de nascença), aptidão para exatas ou humanas etc. Todos esses inatos formam o Id, enquanto não somos conscientes deles.

Mas são o de prazer/desprazer que mais estarão implicados na formação do Superego. O Ego é o primeiro desses programas que se torna consciente para nós. “Eu me lembro” da primeira coisa registrada em minha memória: esse “Eu” já é o Ego consciente. Há registros assombrosamente precoces do Ego, gente capaz de lembrar de seus meses de idade, lembranças de berço.

O Superego vai nascer dos impulsos de evitar o desprazer: a raiva (diante de injustiças); a náusea/repugnância (diante do podre); o medo. Este último é o principal, na formação do Superego.

O medo inato tem como causadores a altura; o confinamento; o escuro; os répteis; os grandes insetos voadores… e o desamparo. Dado o nível de dependência com que nossa espécie nasce, o medo/angústia de desamparo vai ser o mais importante e o menos visível dos medos. É ele que será o motor da formação do Superego.

“Angústia de desamparo” é o termo que escolhi para entrar no lugar do freudiano “Angústia de castração”: ela é muito mais reconhecível, além de se aplicar tanto a meninos quanto a meninas. A ameaça “eu não vou mais gostar de você” tem muito mais poder do que “eu vou te trancar no quarto escuro”. Ela será a maior arma de chantagem disponível para a cultura nos dobrar (pais, professores, amigos, turma, emprego, qualquer pessoa ou instituição do amparo da qual dependamos… pelo resto da vida!).

Quando os prazeres do Ego da criança entrarem em choque com os interesses de sua cultura de criação, ela pode: a) ser ensinada a negociar com eles, não como valores pétreos escritos nas tábuas da lei, mas como circunstâncias do momento que precisam ser atendidas: “eu sei que se masturbar é gostoso, mas é algo para se fazer em privacidade, não em público, assim como ir ao banheiro”, p.ex., versus b) ser ameaçada de grave desamparo por ter feito algo horrível, p.ex. “a masturbação é um pecado mortal que vai te mandar para o inferno, quando você morrer!”

No primeiro caso, a criança aprende algo útil para si; no segundo, ela absorve um medo de desamparo ligado a algo que lhe é muito prazeroso, que agora está categorizado como algo horrível. Aí está o germe do Superego. (E também o germe da face reprimida do Id).









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