De Gilson Gusmão: “É possível rezar a Deus e a Lúcifer? Ou ambos são a expressão do mais profundo âmago da pessoa humana?”
Francisco Daudt: A devoção aos deuses é mais clara e declarada que aquela dirigida aos demônios. E veja que não estou tratando de fés particulares, e sim dos mecanismos da mente humana.
Como já disse, as ficções religiosas partilhadas trazem consolo e amparo, e podem fazer parte da variedade de saúdes mentais. Um psicanalista que se propuser a ditar como é a saúde mental “certa” estará pautado pelo Superego, e essa psicanálise não me serve.
Mas… (e em termos humanos sempre há um “mas”) o desejo de poder e proeminência que a espécie tem - são nossos chamarizes sexuais - é bem capaz de criar tanto cultos demoníacos, quanto religiões que clamam pela “morte aos infiéis”: é nossa tendência inata à tirania.
Há duas ficções partilhadas que muito aprecio, e a favor das quais argumento: o indivíduo e a democracia. Esta última tem só 2.400 anos. O indivíduo é mais jovem, é pós-iluminista, só tem 500 anos.
Mas para mim, apesar de serem tão “antinaturais” quanto o antibiótico (esse tem o agravante de ser “contra a vida”… das bactérias), indivíduo e democracia formam um par indissolúvel: ele tem direito de voz e voto. Nas tiranias, as massas devem ser avassaladas e assim caladas.
Então, deuses e demônios podem morar “no mais profundo âmago” do sapiens; podem ser “seus institutos mais primitivos”, como a tirania o é.
Mas eles não são a “nossa verdade”, nem “aquilo que está por trás” de todos. São apenas uma faceta de nossa complexidade, e que, assim como aprendemos a falar, eles podem ser trazidos à consciência, para participar com suas vozes do parlamento mental que proponho entre Ego, Id e Superego.
“Participar”, e não “imperar”.
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