O destino de um pássaro é voar, está em seus genes. Mas, para voar ele precisa do ninho. O ninho o protege, aquece e alimenta enquanto suas penas não crescem, suas habilidades de vôo não se desenvolvem. Se o ninho o expulsa precocemente, ele se estatela no chão e morre. Mas se o ninho o prende além da conta, ele não aprende a voar, ele fica restrito àquele casulo, ele não cumpre seu destino.
O bom destino de um pássaro, portanto, depende de um delicado equilíbrio entre o voo e o ninho: excesso de ninho aleija o pássaro; falta de ninho o mata.
Conosco não é diferente: precisamos de colo, de amparo, de proteção para seguir nosso destino – se concordarmos que nosso bom destino é a independência e a autonomia do indivíduo que se formou.
Mas o equilíbrio necessário para essa formação, a conversa entre ninho e voo, entre colo e independência, é infinitamente mais complexa e delicada que a dos pássaros. Eles afinal estão programados pelo instinto, que a eles se impõe como força maior.
Nós, não. Nossa espécie tem um programa de aprendizado tão extraordinário, e um tempo de aprendizado tão enorme, que o instinto com que nascemos vai se colorindo de experiências e de memórias tão singulares que o produto resultante se distingue do instinto, e ganha assim um nome novo: desejo.
Desejo: esse programa oceânico e descomunal que nos rege mantém com o instinto relações de raiz. Sim, continuamos a querer reprodução como os pássaros querem, mas de forma bem mais complicada, para dizer o mínimo.
De tal forma que, sim, nós botaremos filhos no mundo. Agora, daí a ter habilidade e competência para levar bem o equilíbrio entre ninho e voo, ah, isso é outra conversa.
A menina de oito anos levou um bilhete escrito por ela para sua mãe: “Não suporto mais esse cárcere maldito! Libertem-me dos grilhões que me aprisionam”. A mãe leu o bilhete e disse: “Ai, que lindo! Vou grudar na geladeira”.
Para quem acha que a psicanálise tem mania de culpar os pais, devo dizer que não é bem isso. O que ela faz é rastrear a história das incompetências da criação de cada um. Você acha que a mãe daquela menina é culpada de algo? Não, ela foi apenas incompetente, incapaz de perceber que a filha se expressava assustadoramente bem, com um diagnóstico preciso do que se passava. Incapaz de corrigir-se e de corrigi-lo. Culpa implica má intenção, e é muito raro ver pais mal-intencionados em relação aos filhos.
Criar filhos é a profissão mais difícil que existe. Como ela é universalmente adotada, seja com talento e vocação, seja sem – o que é mais freqüente –, o que acontece é que somos resultado de um show de incompetências. Uns pássaros, ora aleijados, ora estropiados, de voo capenga, passando as incompetências de geração em geração.
A essas incompetências de criação que carregamos como um fardo pela vida afora, Freud deu o nome de Complexo de Édipo. Édipo, o pobre grego quase assassinado pelos pais biológicos, que teve sua origem escondida pelos pais adotivos, e como fruto dessa trapalhada acabou se casando com a própria mãe. E se culpou por isso!
Pobre diabo foi ele. Pobres diabos somos nós.
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