domingo, 14 de agosto de 2022

CHORO: ORIGEM E DINÂMICA

 



Na base do choro - qualquer choro - mora a impotência diante de um incômodo. A primeira manifestação disso é o choro do bebê. Ele não fala e não faz, sua dependência é quase total, sua impotência frente aos incômodos é similar. Ele chora, portanto. Melhor dizendo, ele urra.

O choro é chato para os outros, foi moldado assim pela seleção natural, para os pais tomarem uma providência que faça parar o choro e mantenha o filho vivo. Não será muito diferente, pela vida afora. Mas o bebê ganha potência, ele já pode chamar, dizer “Qué pêta!”, e seu problema é resolvido rapidinho. Quanto mais cresce, mais potência, logo, menos choro.

E o nosso choro de adultos, às vezes silencioso e solitário? Sua base continua a mesma, agora reduzida a duas situações: raiva impotente e pena de si mesmo.

“Ah, raiva impotente eu até aceito, minha filha mimadinha chora à toa, a cada vez que as coisas não saem do jeito que ela quer; mas eu, ter pena de mim? Quando entreguei minha filha no altar e chorei, eu estava com pena de mim mesma?”

Bem, você não estava sentindo-se com a missão cumprida, de tantas noites insones, tanto altruísmo e devoção à maternidade, tantas vezes que você se deixou em segundo plano para cuidar dela, tanto sacrifício feito e represado que agora chega ao fim? Essa catadupa de sentimentos não estaria condensada ali, naquela hora? O que é o choro do herói, o choro do mártir, o choro do abnegado?
“Ah, eu sou homem, não choro à toa, mas quando ouço o ‘Adagio for strings’, do Samuel Barber, eu me acabo de chorar. Onde está a pena de mim mesmo? Eu choro sim, mas de emoção frente à beleza”.

É curioso, mas os adágios são, em geral, “tears jerckers” (“puxadores de choro”). Vá ver “Morte em Veneza”, enquanto ouve o adágio da 5ª de Mahler, e identifique-se com a inescapável solidão do personagem principal. O que acontece? Você vai chorar… de pena de si mesmo. 






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