A COMICIDADE DO MAL
A babá da minha irmã caçula, mineira de Ubá, costumava cantar uma música lamentosa e triiiiste... :
“A velha sergipana / vivia na choupana / sem rede e sem cama / no seu velho sofá / ah, ah, ah, ah...
Um dia de madrugada / caiu de uma escada / e com a perna quebrada / jamais ela andará / ah, ah, ah, ah...
Vieram dos arredores / a junta dos doutores / pra lhe curar as dores / mas remédio não há / ah, ah, ah, ah...
Morreu com um sorriso / de quem tivera aviso / de ir ao paraíso / de lá não voltará / ah, ah, ah, ah”.
Tão triste era música, tantas vezes ela a cantava, que um dia começamos a debochar, trocando os “ah, ah, ah, ah” por sádicos “hahahahaha”.
Mais tarde, aos onze anos, eu e a irmã assistimos a “Imitação da vida”, um filme com Lana Turner, em que a protagonista passava por uma tal sequência de infortúnios e situações trágicas, que, se de início contristados, lá para o meio da história, a cada nova desdita, caíamos - nós e toda a plateia - na gargalhada...
Estávamos usando (sem saber) um mecanismo de defesa infantil contra a angústia: a comicidade do mal.
Sim, era algo além do que Hanna Arendt descreveu. Sua “banalidade do mal” falava de quão insensível e acostumado se pode ficar com o excesso de más notícias. A comicidade do mal tem um componente sádico - esse “rir da desgraça alheia”, que é diferente do “rir para não chorar” e do “rir de nervoso”.
Nós estávamos sacaneando a babá, sacaneando a heroína do filme, na tentativa infantil de mostrar que estávamos no comando, que aquela desgraceira não poderia nos afetar.
Essas lembranças me vieram ao assistir aos noticiários, ao constatar como temos estado, como não temos Estado, e o estado a que chegamos...
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