“Como nos tornamos o que somos? Ou melhor, a pessoa que acreditamos ser?”
Francisco Daudt: Através de processos de identificação. O curioso é que “identificação” é “tornar-se idêntico, tornar-se igual”, um caminho que começa com imitação e termina (termina?) num ser único, singular. O falar português, que é parte da minha identidade, começou comigo imitando o que ouvia, mesmo que eu já não me lembre mais disso.
“Quando eu crescer, quero ser igual a você” é uma linda frase por causa do verbo “querer”. É ele que distingue a identificação por gosto da identificação por imposição. O que caracteriza esta última é o “ter que”: “você tem que ser macho, tem que ser isso ou aquilo!”
A identidade construída pelos modelos de identificação por gosto é a que mais dá paz interna. Mas é preciso que a pessoa esteja acostumada a se consultar: “eu quero isso?; ou “eu tenho que querer isso”? Esse respeito consigo mesmo forma uma pessoa com autoestima e serenidade: é o que queremos para nossos filhos, é o que queremos para nós. Ela é fruto de escolha, ela é a cara da democracia mental. Os fragmentos dessa colcha de retalhos de coisas que nos caem bem formarão um tecido único, não mais idêntico a nada nem a ninguém: um indivíduo.
No caso oposto, a identificação por imposição causa perturbação incessante, causa guerra interna e externa. A pessoa briga consigo mesma sem saber porquê, briga com os outros para forçá-los a se tornarem o que ela pensa ser o certo (ela passa adiante o processo que sofreu).
Ela não experimentou ser levada em consideração, por isso tenta repetir como tirana o domínio de que foi vítima. É a cara da tirania, não importa se política, familiar ou religiosa: seja igual a nós, e morte aos infiéis.
Como visto, essa tirania pode ser exercida pelos pais, mas não só. Sua turma de adolescentes pode bem operá-la para você se tornar homogêneo.
Atualmente, as mídias sociais se tornaram o principal instrumento de construção identitária por imposição: pressionam, patrulhando ideologias e comportamentos, regulando pensamentos e maneiras de falar através do sentimento de culpa de te igualar a antimodelos: “ou você é como nós, ou você é… (e aí vem uma série de adjetivos monstruosos)”.
Sim, é a eterna luta da espécie: a democracia é uma possibilidade construída; a tirania é nossa tendência natural enraizada. Para que lado tenderemos? Para o indivíduo, que começou imitando e se tornou autor? Ou para a massa homogênea, que se submete à imposição por medo?
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