A cliente perguntou ao médico se, em vez do antibiótico receitado, ele não poderia prescrever-lhe alguma coisa mais natural.
Ele respondeu: “Minha senhora, natural é o micróbio. Não existe nada mais antinatural que o antibiótico, que significa ‘contra a vida’. Mas é contra a vida da bactéria, e a favor da sua”.
De fato, grande parte da luta humana consiste em defender-se contra a natureza. Antinaturais são a geladeira e o ar-condicionado, por exemplo.
Nesse processo, é preciso conhecer bem a natureza para saber quando ela nos é favorável e quando opera contra nós.
Quem admira a democracia precisa saber que ela é tão antinatural quanto o antibiótico. Natural mesmo é a tirania. A democracia é uma construção trabalhosa e complexa, sempre em ameaça. A tirania é simplória e imediatista, vive ao alcance das mãos; como qualquer vício, traz satisfação imediata e danos tardios.
O desejo de domínio está tão arraigado em nossa natureza que, mesmo quando alguém é submisso no trabalho, busca ser tirano em casa. Ou um grupo/povo que foi historicamente oprimido, quando se revolta, produz uma reviravolta: torna-se de oprimido em opressor. A essa reviravolta dá-se o nome de “revolução”.
Isso aconteceu, por exemplo, nas revoluções francesa e bolchevique. Os oprimidos, na última, buscavam declaradamente uma nova tirania: a ditadura do proletariado (sempre dirigida por um ex-proletário, na melhor das hipóteses).
Isso acontece dentro de nossas casas, quando nossos filhos, tornados poderosos pela nossa culpa de opressores, transformam-se em tiranos domésticos.
Isso acontece dentro de nossas cabeças, quando nós (o Ego), de um lado, oprimidos pelo Superego e sua moral impositiva e tirânica do senso comum; e do outro, seduzidos pela promessa do Id de ter prazeres infindáveis, nos rebelamos na transgressão… e passamos a ser dominados pelo vício e pelo imediatismo. É o Superego nos comandando pelo avesso.
Quem quiser sair desse binarismo, quem quiser um regime interno de respeito e construção (dentro da cabeça, do trabalho, da sociedade, da política), quem prezar a democracia, precisa saber de nossa “natural” tentação tirânica.
Nenhum comentário:
Postar um comentário