domingo, 10 de outubro de 2021

O OUTRO POSSÍVEL - O AMIGO PERGUNTA

 



“Qual seria o oposto do fetichismo, que anula o outro? A interação total com ele?”

Francisco Daudt: Tal coisa não existe, exceto como ideal do Superego, o que costuma gerar, claro, cobranças internas. Toda a nossa base de prazer é autoerótica, masturbatória mesmo; o outro participará dela em graus variados, que vão do zero a algum percentual, mas sem nunca atingir cem… e que flutua, ora para mais, ora para menos, mesmo durante uma relação sexual com a pessoa que mais amamos.

Pense na nossa história com o prazer: um bebê que mama e cai desmaiado depois, ele estava se “relacionando com o outro”? Ou viajando no seu prazer solitário? Lembre-se, ele acabou de sair do útero, não tem noção de nada do mundo, não tem referências para configurar a existência de ninguém mais.

Nós somos um pouco (um pouco?) como ele: mesmo no devaneio apaixonado que orienta uma masturbação desvairada, onde está o outro, senão em nossa cabeça, fruto de nossa imaginação?

“Ah, mas se for no sexo, o outro está completamente presente”.

Completamente? Olhe para si, pense bem se não há flutuações entre o seu barato solitário e a interação ali ocorrendo. Se não há uma constante verificação dos encaixes e desencaixes dos desejos mútuos. Se a imaginação não voa, mesmo naquele momento.

“Ah, tá certo, a paixão é fruto da imaginação, mas o amor é fruto do conhecimento; e no sexo com amor?” Por certo haverá mais interação. Muita negociação já foi feita para ver onde os desejos se encontram, onde se desencontram.

Mesmo assim, se você se lembrar da teoria dos conjuntos, a zona de interseção dos dois círculos nunca será completa, e estará variando sempre. Espero que você (e o outro) tenha na mão os botões de regulagem dessa variação, ou o prazer fatalmente decairá.



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