quarta-feira, 29 de setembro de 2021

VÍCIOS SEXUAIS - O AMIGO PERGUNTA



“Como a psicanálise vê os vícios sexuais?”

Francisco Daudt: Começando pela definição: para que sejam vícios, as práticas sexuais precisam ser compulsivas, alugantes, repetitivas, monotemáticas, e causar dano aos principais interesses da pessoa. Não há vício sem dano.

Isto posto, vamos ao que eles têm em comum, que eu não vou nem tentar fazer uma lista aqui, pois seria infindável.

Todos os vícios sexuais derivam do fetichismo. O fetiche é um truque (vem do francês “fetiche”, que veio do português “feitiço”) para eliminar a necessidade de negociação com o outro e as diferenças que ele representa. É uma espécie de masturbação sofisticada (pois inclui mais alguém), que arranja um meio de anular a existência do mais alguém para continuar masturbatória. O viciado não se relaciona com uma pessoa, mas com o fetiche: com a fantasia de babá, com a crueldade sadomasoquista, com… bem, como disse, a lista é infindável.

Todos os vícios sexuais são transgressores: eles contrariam os mandamentos do Superego, grande parte do prazer que causam é a vingança contra a cultura que impôs esses mandamentos. Todos eles dizem “É errado? Foda-se, vou fazer!” É claro que a primeira transgressão é “foda-se você (o outro em cena), eu te anulei, você é apenas meu instrumento de gozo, otário!”

Assim, os vícios sexuais têm um apelo múltiplo: o prazer físico, por certo; o prazer de vingança contra a cultura e o Superego; a atração que nossa espécie tem pelo “hübris”, a desmesura, o excesso, a intensidade, a dopamina instantânea; o prazer de alívio (“Deu duro? Toma um Dreher!”).

Qualquer viciado é prisioneiro do prazer imediatista, o que vai tirando dele a capacidade de conhecer o prazer de construção (o sexo amoroso é fruto de necessária construção).

Isso o empurra cada vez mais para o vício, num círculo… vicioso.

PS. O vício em masturbação é muito raro. É preciso considerar que toda atividade sexual começa no autoerotismo: é a partir dele que aprendemos o prazer negociado.

PS2. O prazer de transgressão sexual não implica vício, necessariamente. Toda vida sexual começa transgressora, a cultura não acolhe bem a sexualidade infantil.


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