“Julgar pela aparência não é muito preconceituoso?”
Francisco Daudt: É, sim. Preconceituoso e necessário.
Julgar pelas aparências engloba nossas duas poderosas fontes de motivação: sobrevivência e reprodução. É verdade que ambas estão a serviço da replicação do DNA, pois é preciso viver até que a reprodução se dê.
De base, todo estranho é um inimigo: este preconceito vem salvando vidas pela história afora. Imagine-se numa rua escura e deserta, subitamente os sons de passos em sua direção. A adrenalina sobe, você se prepara para luta ou fuga; matar ou correr.
Em seguida, vê o outro. É preciso detectar traços de guerra ou de paz, e isso rapidamente: “ele pertence a tribo amiga ou inimiga”.
Classificado como amigo, outro escaneamento automático e rapidíssimo, tão rápido que muitas vezes passa despercebido, busca a segunda resposta: “é uma possível parceria sexual ou não?”
Um hétero dirá: “ah, se eu vejo que o outro é homem, isso nem me passa pela cabeça”. Sim, mas porque, como ele viu que era homem, seu gatilho avaliador de segunda instância não foi ativado. O descarte foi rápido.
O mesmo ele diria se tivesse visto uma vovozinha: a avaliação de parceria sexual se dá por camadas de preconceitos. Eles moram nos arquivos de memória que configuram nosso desejo, em combinação com os arquivos genéticos da valorização erótica.
Algum dos arquivos genéticos do desejo são: beleza, fertilidade, força, saúde, juventude, riqueza, proeminência social. Tudo isso julgado pela aparência. Alguns se aplicam às estratégias sexuais de curto prazo, outros para as de longo prazo.
Os arquivos de memória que compõem o desejo vêm de nossa história erótica/amorosa, sucessos e decepções.
Todo esse conjunto de preconceitos será usado na avaliação sobrevivência/reprodução: eles serão usados como filtros, a partir da primeira vista, aplicados ao outro.
Isso é parte do que em psicanálise se chama de “Transferência”: transferimos ao outro, sem conhecê-lo, toda essa massa de informação que mora em nós, e o julgamos por ela.
A partir das aparências.
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