“Não sei porque eu visito minha mãe, o Alzheimer nem deixa ela perceber que eu estou lá...”
“Você não sabe, mas eu sei: para não se sentir em falta com o seu dever de filho; para não ter culpa, depois”.
A conversa com o cliente remete a “dever”, “dívida moral”, “estar em falta” e “sentir culpa”. São temas interligados, praticamente sinônimos.
Na mecânica do sentimento de culpa, há padrões morais estabelecidos pelo Superego: ou você está à altura deles (missão quase impossível, pois eles são sempre altíssimos), ou você está “em falta”, “abaixo”, “devedor”. Ou, em termos mais contemporâneos, “inadimplente”.
Como para o Superego ou você é modelo, ou é antimodelo; ou é certo, ou é errado, pois o Superego – sobretudo dos obsessivos – não admite meio termo, estar devendo a ele significa ser uma coisa muito feia, um “filho ingrato e desnaturado”, daí pra pior...
Se eu sou esse monstro e ainda por cima estou em falta, sinto... culpa.
O ditado “quem não deve não teme” não existe à toa, portanto. Sim, tememos: o credor, o banco, o processo automático da prefeitura que nos tomará a casa por inadimplência dos impostos, a Receita Federal...
E tememos a esse credor-mor, o Superego, por todas as nossas dívidas morais. Ele usará o sentimento de culpa como pressão (e que pressão!).
O que nos deixa três alternativas:
a) ou sabemos que nossas dívidas estão quitadas, que não somos inadimplentes em nada, nem financeira nem moralmente (solução quase utópica, no que diz respeito ao segundo quesito).
b) ou, por cansaço de nos sentirmos culpados, tocamos um foda-se e transgredimos (solução que tem problemas, pois a cobrança se mantém voltando, o que exige mais e mais tocar o foda-se).
c) ou, e esta é a minha solução preferida, examinamos e discutimos a tirania do Superego, de modo a que nossos valores éticos não estejam lá, e sim sejam nossos (do Ego), o que torna viável atendê-los.
Quanto às dívidas de grana, quitamos as legítimas e entramos na justiça contra as outras.
Uma vez me perguntaram como seria a mais curta síntese para definir psicanálise e saúde mental.
Respondi: “Deveu? Fodeu!”
A CRIAÇÃO ORIGINAL - A TEORIA DA MENTE SEGUNDO FREUD
Disponível em: https://7letras.com.br/livro/a-criacao-original/
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