segunda-feira, 5 de abril de 2021

O SUPEREGO E O QUEIJO

 


Ele abriu com a faca seu enorme parmesão, cheio de orgulho.

O amigo olhou em silêncio por um tempo e finalmente comentou, apontando: “tem um buraco aqui!”

Nos primeiros anos da minha carreira, resolvi dar uma melhorada na sala de espera do consultório. Tirei da estante lindos cofee table art books – carentes há muito de contemplação – e os espalhei na mesinha.
Quando o cliente seguinte, um designer gráfico, entrou, fez um único comentário: “seus livros estão meio empoeirados”.

Contei-lhe então a história do buraco do queijo e ele ficou muito culpado, envergonhado de si mesmo.

Passaram-se alguns anos até que eu entendesse que não tinha feito psicanálise ali; tinha só me vingado.

Minha observação acabava sendo um reforço para o Superego do cliente. Que, se ele era fodão e crítico com os outros, sua primeira vítima era ele mesmo. 

A história poderia ter servido para eu entender como ele vinha sofrendo com seus padrões estéticos super exigentes, quase paralisantes, que o deixavam com a sensação de que tudo que produzia estava abaixo da crítica (de sua própria crítica, para começar), de que era uma fraude a ser denunciada, se o observador fosse fodão o bastante. Que sua doença obsessiva descambava para um sadomasoquismo cuja primeira – mas não única – vítima era ele mesmo.

Afinal, o que tinha feito eu, senão repetir com ele a história? Ao apontar nele o buraco do queijo?

É assim que também se aprende clínica: errando.



 
 A CRIAÇÃO ORIGINAL - A TEORIA DA MENTE SEGUNDO FREUD




Um comentário:

  1. otima analise...muitas vezes fazemos criticas sem olhar para nos mesmos, e muitas vezes a critica é um sinal de nossa arrogancia. É mais facil criticar do que resolver os problemas. Isto é muito caracteristico do brasileiro que acha que toda solucao vem de um ser superior chamado autoridade, ou talvez governos, ou talvez msmo do Pai Celestial...mas sempre de um pai.

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