segunda-feira, 19 de abril de 2021

BRINCANDO DE PSICANÁLISE - O AMIGO PERGUNTA

 



“Como funciona a associação livre de ideias?”

Francisco Daudt: De uns tempos para cá, digo de vez em quando aos clientes, “Agora vamos brincar de psicanálise”. É o meu convite para que façam associação livre de ideias.

Ela é o truque inventado por Freud para substituir a hipnose. Você já deve ter ouvido falar das pranchas de Rorschach, umas manchas de tinta sem sentido prévio em que as pessoas veem aquilo que lhes aparece na cabeça.

Pois a associação livre é muito parecido. Freud dizia aos clientes: “Me conte o que aparece em sua mente, como se você estivesse olhando pela janela de um trem. Apenas diga, sem censura, o que for surgindo. Seja passivo espectador, não critique nem explique, apenas descreva”.

Claro, como ninguém mais anda de trem, eu uso uma tela de TV no lugar da janela. A dinâmica da coisa é tal que os relatos falam muito da pessoa e daquilo que ela nem imaginava que se passava em sua cabeça.

É uma linguagem a ser aprendida. Ninguém fala sem censura; vivemos medindo nossas palavras – sim, é verdade que alguns não medem – e descartando o que nos parece perigoso ou irrelevante. É preciso muita confiança em quem nos ouve para que nos aventuremos a tentar essa ousadia. Atenção, futuro psicanalista: cabe a você despertar tal confiança.

Se o psicanalista a despertou, o cliente falará coisas indizíveis em qualquer outro lugar do mundo. Ele sabe que aquilo não será usado contra ele nos tribunais do Superego, não suscitará juízos de valor, reprimendas, puxões de orelha, não será motivo de sua vergonha ou culpa, já que ele está falando com seu advogado de defesa.

Sim, o psicanalista estará ali para olhar as razões de seu sintoma, para entender como a história do cliente o levou àquele ponto, àquela situação. Ele sabe que o bom psicanalista não é um juiz, é um CSI, um investigador que monta puzzle: a livre associação de ideias é um esplêndido fornecedor de pecinhas.

Aliás, eu adoro a metáfora do quebra-cabeças: as pecinhas não parecem ter nada a ver umas com as outras, mas... algumas são de bordas (quem monta puzzle sabe que as bordas são preciosas; elas equivalem ao diagnóstico em psicanálise). Outras têm cores parecidas, e devem ficar em montinhos separados. Há que se ter paciência, porque não há a tampa do brinquedo para nos guiar, mas as figuras vão aos poucos sendo montadas.

É a hora em que, montado um pedaço do puzzle, o psicanalista pergunta ao cliente: “Isso faz sentido?” Se não fizer, desfazem-se as peças e se começa outra vez: o cliente não sabe, mas ele é o único que tem a tampa!

Já se vê que a tal associação não é tão livre quanto parece: ela segue uma tampa inconsciente do brinquedo, chamada “desejo”



 
 A CRIAÇÃO ORIGINAL - A TEORIA DA MENTE SEGUNDO FREUD




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