“Como um burro olhando para um palácio”.
Ele verá um amontoado de pedras.
Sempre me encantei com a expressão, pois ela fala da coisa e do aparelho leitor de forma caricatural. Tenho um xodó por caricaturas e sua comunicação rápida de um conceito: ali estão exagerados a complexidade da construção – ameias, seteiras, pontes levadiças, poder e glória – bem como o simplorismo do burro, incapaz de absorver as nuances e mensagens que a arquitetura contém.
Na psicanálise, é fundamental entender tanto a coisa quanto o aparelho leitor: o que leva um fóbico a ver numa barata tamanha ameaça? Por que um depressivo imagina essa catadupa de catástrofes e tem uma visão tão cruel de si? Algo alterou o aparelho leitor deles, uma lente destorcida se lhes interpôs.
Especialmente na depressão, o aparelho leitor sofre distorção de hardware. É impressionante o que fazem os antidepressivos modernos na correção da química cerebral. Depois de uma semana, o cliente passa a ver as coisas “com outros olhos”.
É a hora de a psicanálise poder trabalhar a parte software do aparelho leitor: que viés histórico transfere àquela pessoa tantas qualidades maravilhosas, quando se está apaixonado? De onde vem tanta crueldade de autoavaliação? Nos dois casos, vamos aprender sobre o Superego do cliente, aquele que distorce para melhor na idealização, e distorce para pior no julgamento.
Um olho na coisa; outro olho no olho, no aparelho leitor.
Eis porque o psicanalista tem que se olhar permanentemente: seu aparelho leitor não pode estar distorcido, para que ele possa ver bem seus clientes.
A CRIAÇÃO ORIGINAL - A TEORIA DA MENTE SEGUNDO FREUD
Disponível em: https://7letras.com.br/livro/a-criacao-original/
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