sábado, 6 de março de 2021

“Como são formados os sonhos?” - O AMIGO PERGUNTA

 


A MARAVILHA DOS SONHOS

“Como são formados os sonhos?”

Francisco Daudt: Os sonhos dão um vislumbre da interação entre nossos softwares e hardware. Começando pelo fato de que não há observação direta dos sonhos, só do relato que fazemos deles, já vemos seu ponto central: a memória.

Acordamos e nos lembramos de ter sonhado. É uma memória fugidia, se o sonho não foi intenso, se formos fazer qualquer coisa ao acordar, a possibilidade de esquecermos do sonho é grande.

Mas, ao olharmos para o sonho, é espantoso pensar que cada cena, cada detalhe, cada emoção ali contidos saíram de nossos arquivos de memória. Alguns deles,não visitados há décadas. Cenários de nossa infância, pessoas que já morreram, faces compostas de várias outras. Tudo arquivo de nossa memória, tudo gravado e adormecido em algum lugar de nosso cérebro.

Quem já se embriagou ou já esteve chapado de maconha tem uma experiência vívida de como a memória (não) se forma: “De ontem? Não me lembro de nada...” ; “Antes de terminar a frase, já não me lembrava mais do que estava falando”.

Não houve esquecimento, nem num caso, nem no outro: a memória simplesmente não se formou. Seu processo bioeletroquímico de construção foi inibido pela presença do tóxico.

Todas as memórias de uma vida inteira estão lá, codificadas como gravações no nosso HD. Elas serão acionadas por estímulos atuais. Por exemplo: o que você almoçou ontem? Qual o nome da sua mãe? As memórias que lhe vieram estavam num pré-consciente; minhas perguntas fizeram sua atenção ir buscá-las lá.

A mesma coisa acontece com a formação dos sonhos. Nas vésperas de sonhar, algo nos tocou. Esse “tocou” não é simples. Tocou nosso desejo frustrado, como a criança que foi dormir sem sobremesa e sonha que come o doce. Ou toca nosso desejo conflituoso, como o tesão pela cunhada brigando com a culpa de pensar tal pecado. Ou nosso desejo de vingança, e sonhamos algo muito violento.

Freud comparou a formação dos sonhos como a produção de um filme: tudo começa com o DESEJO de alguém (diretor, autor), a motivação para filmar uma história.

Esse desejo precisa ser forte o bastante para mobilizar um capital que financie a produção: o assunto tem que nos ser relevante. A partir daí, reúnem-se roteiristas, cenógrafos, direção, todos usando material de nossa memória para produzir o produto final: o sonho.

É curioso, há um desejo que pode surgir enquanto estamos dormindo, e que influencia na mudança do roteiro do “filme”: o desejo de continuar dormindo. Mesmo quando uma urgência de ir ao banheiro aparece. Logo o “diretor” insere umas cenas da pessoa indo ao banheiro, procurando o banheiro, fazendo um pouquinho de xixi... e continuando a dormir. Tudo com arquivos de sua memória, buscados às pressas para atender à nova demanda.

Essa é a maravilha dos sonhos...

A MARAVILHA DOS SONHOS 2

Francisco Daudt: Há um aspecto fascinante dos sonhos que chama especialmente a atenção: o sensório revivido. Estar num sonho é ver (e às vezes ouvir) como se estivéssemos acordados. Ver e ouvir o que não está do lado de fora, algo que vem dos arquivos de memória. Como se fossem alucinações.

Para entender como isso acontece, recorro a uma experiência psicodélica dos anos 70: a câmara de privação dos sentidos.

Punha-se a pessoa dentro de um compartimento fechado, confortavelmente mergulhada até o pescoço em água salgada morna, onde havia completo silêncio e escuridão.

Depois de algum tempo, a pessoa começava a alucinar: viajava em visões, ouvia sons. Às vezes era agradável, às vezes, bad trip...

A questão é que replicamos todas as noites uma câmara de privação de sentidos: ao deitar, diminuímos a necessidade de controlar o equilíbrio e os estímulos táteis da vigília. Apagamos as luzes, isolamos os ruídos (o ar condicionado produz “ruído branco”, estímulo brando e constante que simula um silêncio mais confortável que o silêncio absoluto), buscamos conforto térmico com o ar, coberta etc.

Com isso, cortamos os estímulos ao que Freud chamou de “polo sensório”, um captador mental pelos sentidos daquilo que se passa no mundo exterior. Isso permite um contrafluxo: o polo sensório começa a ser tocado por dentro, com nossos arquivos de memória... e sonhamos/alucinamos dormindo.

Essa é a maravilha dos sonhos...



 
 A CRIAÇÃO ORIGINAL - A TEORIA DA MENTE SEGUNDO FREUD






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