quinta-feira, 11 de março de 2021

A PSICANÁLISE DA PSICANÁLISE



Quanto mais metida a pessoa, mais insegura ela é.

A psicanálise nasceu com complexo de inferioridade. Freud era um neurologista na Viena do século XIX. Eles se consideravam deuses da ciência.

Quando Freud inventou a psicanálise, quis que ela tivesse um status semelhante ao da ciência que fazia. Apresentou-a a seus pares e eles a rejeitaram como maluquice.

Diante disso, Freud mandou seus pares às favas (mas o ressentimento ficou) e tornou-se independente na sua pesquisa. Grande passo!

Alguns colegas seus se juntaram a ele, deslumbrados com sua invenção. A partir daí, dois movimentos aconteceram: a pesquisa psicanalítica em si e a tentativa de dar a ela um lugar respeitável na ciência (e como ciência).

Até hoje tenho ambivalências diante do passo seguinte dado por Freud: constituir uma instituição para zelar pela psicanálise. Se por um lado vejo o benefício da criação de um espaço para diálogo teórico com gente interessada, por outro vejo o custo que a luta de poder institucional e a busca de status social decorrente impuseram à psicanálise.

Só médicos eram admitidos (mais um sinal de insegurança), até que Theodor Reik, psicólogo, causasse uma virada de jogo, ao ter sua admissão defendida por Freud (“A questão da análise leiga”, 1926).

Entre as sortes que dei na vida, uma foi a de ser “descendente direto” dessa linha de formação: Freud formou Karl Abraham, que formou Theodor Reik, que formou Angel Garma, que formou meu psicanalista formador.

É por isso que minha origem é freudiana, mesmo em tempos de Melanie Klein e de Lacan. O que eu fiz com essa origem, bem, imitei Freud e me tornei independente.

Mas a insegurança dos psicanalistas continuava (continuava?). Até hoje há quem ache que a psicanálise é algo “acima da psicologia”, que não faz parte dela, mesmo “psicologia” significando “estudo da mente”.

A monumentalização de irrelevâncias e adereços, como a do o célebre divã, é sintoma desse confeito, desse glacê que foi se tornando mais importante que o bolo.

Estive num debate de psicanalistas falando disso, e um colega de Portugal contou que, em sua sociedade regional, foi apresentada uma tese defendendo extensamente o ângulo de 45º para a poltrona do analista, em relação ao divã.

Não é à toa que o atendimento on-line causou tanta “comoção” no meio societário...

Outras decorrências desse delírio de status versus o aprimoramento teórico/epistemológico da psicanálise foram a criação de jargões incompreensíveis, verdadeiras viagens na maionese, para dar a impressão de que a psicanálise tratava de coisas “inefáveis e muito além da compreensão dos simples mortais”. Como o Chacrinha, a psicanálise não teria vindo para explicar, mas para confundir.

A minha defesa de transparência e clareza a se abordar o estudo da mente tem o objetivo de cuidar do bolo de boa qualidade, não de seu confeito vistoso. Se a psicanálise quiser se aproximar do conhecimento verdadeiro, precisa ser humilde. Precisa importar da ciência o “dar a cara a tapa”, o estar vulnerável a que lhe apontem os erros.

Mais uma vez: quanto mais metida a pessoa, mais insegura ela é.




 
 A CRIAÇÃO ORIGINAL - A TEORIA DA MENTE SEGUNDO FREUD



 

 

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