Francisco Daudt: Depende do grau. Interesse pela própria imagem todos temos, zelar pelos próprios interesses, todos zelamos, é da espécie. Pense em São Francisco, o mais altruísta dos homens, e lá está ele dizendo em sua oração que “é dando que se recebe, é perdoando que se é perdoado”.
Ou seja, a empatia – a capacidade de se pôr na pele do outro – também nos serve; ela nos faz “amáveis”, merecedores de amor. Quando somos atentos ao outro, interessados por ele, temos a esperança de retribuição. Isto é a troca justa, o receber equivalente ao dar (ou equilibrado com ele).
Sim, mas existe uma fronteira a partir da qual nós percebemos que o narcisismo de alguém se torna um peso... para os outros. É curioso, nunca vi ninguém se queixar de que “sofre de narcisismo”.
Havia uma anedota do narcisista que, depois de falar horas sobre si, disse: “Ah, cansei de falar de mim, fala você agora um pouco... sobre mim”. Ou da mulher que, diante da morte súbita do marido, saiu pela casa gritando, “Ele não tinha o direito de fazer isso COMIGO!”
Mesmo que a pessoa não “sofra” de narcisismo, um narcisista tem tamanha preocupação com a própria imagem, que é impossível não suspeitar de sua autoestima. Se ele precisar cuidar tanto de como aparece na foto, é porque teme muito não sair bem.
Pense no ex-presidente Trump. Dificilmente iremos encontrar exemplo mais caricatural de narcisista. Assistimos a quatro anos de ininterrupta torrente de autoelogios, de afirmações de superioridade, de realidade paralela até, para a negação de qualquer defeito ou limitação.
Quando se soube que o pai lhe dissera na infância “Não aceito perdedores, viu!” (“losers”: fracassados, merdas), tivemos aí o vislumbre de sua insegurança e constante necessidade de pavoneio.
Ou seja, não acredite que o narcisista se ache o máximo; ele guarda em segredo uma perturbadora suspeita sobre seu valor.
Essa é a diferença entre autoestima e vaidade/soberba: a autoestima é serena; a vaidade/soberba é inquieta, agitada, intranquila, em permanente busca de reafirmação.
O narcisismo mais comum é resultado de a pessoa lidar com tumultos internos tais, que a percepção do outro se torna completamente secundária. Não sobra espaço. Ele se desenvolve então como mecanismo de defesa contra a angústia causadas por suas fragilidades envergonhadas.
E pode se tornar um vício comportamental, um sadomasoquismo (mais ou menos) sutil, a que dei o nome de jogo fodão/merda.
Mas tenho visto narcisismo herdado: a pessoa já tem, desde criança, o jeitão de um de seus pais, excessivamente voltada para si mesma, meio incapaz de considerar o outro. Não é por maldade, é que o outro não lhe passa pela cabeça.
Quando os dois fatores se juntam, sai de baixo...
Francisco Daudt: Não é que narcisismo tenha cura, sobretudo se é genético. No entanto, a empatia pode ser aprendida como um gosto adquirido.
Se o narcisista, assim como se o alcoólatra, se reconhece como tal, e mais, se vê vantagens na empatia, ele pode aprendê-la como se aprende uma língua estrangeira: tendo a coisa em mente e treinando muito.
Um cliente, de forma bem-humorada, incorporou um jargão a cada nova conversa: “E você, como vai sua vida?” É assim que treina o interesse no próximo. Ele diz que está gostando muito...
Claro, é necessário que os problemas que o assolam e não deixam espaço para a percepção do outro sejam tratados; ele não pensará em ninguém mais, se aquele tumulto na cabeça não diminuir.
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