“Que ódio, ele é mais inteligente do que eu, ele me humilha com sua inteligência, isso não é justo! Tomara que ele morra!”
De fato, a mãe natureza não é justa em sua distribuição lotérica de qualidades. Nos valores que fazem diferença para o mercado sexual, ela é generosa com uns, mesquinha com outros. Ela é como uma mãe que tem preferidos, e isso costuma despertar ciúmes nos filhos enjeitados.
O ciúme é a primeira inveja, frequentemente a primeira injustiça, que causa a primeira raiva.
Eu tinha três anos quando a empregada me anunciou, rindo: “Aí, hein, vai deixar de ser o reizinho da casa, vai ganhar irmãozinho...” Sim, minha mãe estava grávida; sim, eu era o caçula; sim, fiquei muito puto. Foi meu primeiro ciúme, minha primeira raiva, minha primeira percepção de injustiça frente à qual eu era impotente.
Só que aquele ciúme, aquela raiva não era sem fundamento: eu estava mesmo sendo roubado de algo que julgava meu. A atenção que recebia, a partir dali, estava fadada a me ser subtraída e dada a alguém mais. A situação continha sim uma injustiça, a raiva era justa.
A raiva é fruto do sentimento de injustiça; é ela que move a busca de reparação. A raiva é, pois, mãe da justiça.
Mas a correção daquela injustiça só pôde ser feita 42 anos mais tarde, quando estávamos esperando nosso segundo filho: resolvi que minha primogênita não haveria de sofrer aquele golpe que sofri. Ao longo da gravidez, diluí e terceirizei os cuidados e atenções que ela recebia, de modo a que ela não sentisse tanto a retirada dos nossos cuidados, quando o bebezinho nascesse. E funcionou.
Voltando à inveja: assim como na família nuclear temos uma premissa de que deveria haver igualdade na distribuição de afetos, no caso da inveja, parte-se da mesma premissa, a justiça pela igualdade.
A partir dessa crença íntima do direito à igualdade, podemos nos comparar, dizer que o outro “recebeu” mais que nós, que estamos sendo roubados por ele, e isso nos deixar irados, furiosos de... inveja.
Como no ciúme dos filhos, essa inveja foi motor de justiça em alguns casos históricos: a ala esquerda do parlamento da revolução francesa lutava por igualdade, enquanto a ala direita defendia a liberdade (deixemos a “fraternité” de lado, pois que eles mesmos sabiam que ela era um tanto utópica).
Foi assim que surgiu o conceito de igualdade democrática, que almeja a igualdade de OPORTUNIDADES E DIREITOS. É uma batalha incessante, mas é dos momentos mais lindos da história da humanidade, quando se pôde usar a fração justa da inveja para a busca de correção de uma injustiça arcaica. Foi pensando nesse momento que me inspirei para buscar a justiça entre os filhos.
As outras desigualdades da vida, porém, continuarão existindo... e continuarão a gerar inveja. Inveja causada por uma injustiça... injusta.
A CRIAÇÃO ORIGINAL - A TEORIA DA MENTE SEGUNDO FREUD
Disponível em: https://7letras.com.br/livro/a-criacao-original/
Olá Daudt,de fato a mãe natureza foi injusta comigo. O que me impressiona é o fato de nunca ter superado essa inveja ao longo dos meus 77 anos apesar dos anos de terapia
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