sábado, 2 de janeiro de 2021

OS 7 PECADOS CAPITAIS E A PSICANÁLISE - 3º PECADO: LUXÚRIA




“Derivado do latim ‘luxus’, é: viço nas plantas (vegetação luxuriante); incontinência animal; libertinagem; lascívia.” (Antônio Geraldo da Cunha).

Sinônimos: indecência; lubricidade; cupidez; depravação; descaramento; despudor; desvergonha; concupiscência.
É evidente que ela está ligada ao nosso desejo sexual. Mas de uma forma particular: a do excesso, da desmesura, daquilo que os gregos chamavam de “hübris”, o lado “over” da natureza humana. Não à toa, ela vem de “luxo”, que é ostentação também.

É o momento de “estar possuído” por um transe animalesco que é mais forte que a pessoa; é o momento da compulsão. “A cabeça de baixo assume o controle”, “não sei o que deu em mim”, “eu não vi mais nada”, “foi aquela loucura”, e tantas outras expressões correlacionadas.

“Trouxe camisinha?”, “tá tomando pílula?”, “Ah, dane-se, agora é tarde...”

A mãe natureza (o DNA) agradece a contribuição reprodutiva da luxúria, a hora em que o Sapiens deixa de lado a sua (suposta) sabedoria e retorna ao bicho solto que nunca deixou de ser. É o “tesão de bode”.

Novamente, é necessário estabelecer as fronteiras entre o desfrute das alegrias da luxúria (uso); e os vícios que ela pode gerar (abuso). O vício, por definição, não é algo do seu uso, e sim algo que te usa, te aprisiona.

Por contraste, a virtude é uma construção da pessoa, que a exercerá como fruto de sua vontade; o vício é uma desconstrução da pessoa, algo que dela se apossa, e que se exercerá sobre ela a despeito de sua vontade. Você é sujeito da virtude; e é objeto do vício.

Em resumo: a virtude é uma construção da pessoa; o vício é uma desconstrução da pessoa.

Já que a reprodução (em nosso caso, o sexo) é o sentido – biológico – da vida, o principal motivador interno que nos aciona, é preciso entender que ele nos é onipresente: até a sobrevivência serve à reprodução. “Ah, mas tem muita gente que não quer ter filho...” Irrelevante. Nós não estamos “programados para ter filhos”, e sim para ter prazer, uma coisa acaba levando à outra, mesmo que a tecnologia sugira que o prazer, no futuro, será principalmente masturbatório.

Então, é necessário ter carinho e respeito com o que nos causa prazer. Já existe culpa demais associada ao prazer, ao longo de milênios de cultura: “Tudo que é bom, ou engorda, ou é pecado” é a síntese de nossa má consciência ligada ao prazer.

A conversa é, pois, entre dirigir e ser dirigido; o Eu como sujeito (Ego) x Algo em mim me comandando (Id). Todos os exemplos de vício, que serão abaixo mencionados, têm essa complexidade e essa conversa:

Paixão. Do latim “passio”, permite apenas uma tradução: sofrimento. Ela pode/costuma ser um “estado alterado da mente”, pode ser sublime e pode ser origem do crime passional, do stalker, do domínio/submissão, do sadomasoquismo.

Drogas. Falando em estados alterados da mente, a luxúria se serve das drogas, as drogas se servem da luxúria. Lembrando: o álcool continua sendo a mais comum/danosa delas, quando transformado em vício/doença.

Fetichismo/sadomasoquismo/domínio-submissão. São meios de lidar com a luxúria sem ter que lidar com a outra pessoa. O outro não existe, é apenas um fantoche a serviço da desmesura do nosso desejo.

Enfim, se há um território em que o desejo conflita com o Superego, odeia o Superego, ao Superego se submete, ou dele se vinga, ou a ele se aprisiona, esse é o território da luxúria.

(Ilustração: Pieter Bruegel, séc. XVI).
 

Um comentário:

  1. Agudo, rigoroso, embasado, gostoso de se ler, simples, útil. Enfim, Francisco Daudt sendo um bem na vida de quem chega perto dele.

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