Um dos culpados disso é o próprio Freud.
Mas, vamos por partes. Quando Freud inventou a psicanálise, os costumes eram tais que faziam da neurose a principal doença psíquica. Seus sintomas esquisitos deram a pista de que havia forças se movendo nos infernos da mente. Sua investigação levou à descoberta do inconsciente reprimido, de um Superego, dos desejos proibidos, do conflito interno entre os dois, que resultava na neurose.
A neurose histérica, o exemplo típico: na época, o desejo sexual da mulher era visto como coisa reprovável, impensável mesmo. Os princípios morais que o reprimiam estavam lá, o Superego vigiava... mas não eliminava o desejo. Quando ele aparecia, o horror interno, a culpa, a perturbação e a angústia causados levavam a um mecanismo de defesa automático e involuntário: a repressão (também chamada de recalque; em alemão, “verdrängung”, “desalojamento”).
Anna O. viu o pênis do pai pelo pijama entreaberto; o desejo de tocá-lo se despertou; a mão avançou em sua direção, o conflito desejo/Superego se deu, e... a repressão entrou em cena: a mão travou, o desejo sumiu da consciência, e em seu lugar surgiu o sintoma histérico: aquela mão estendida e paralisada.
Como diz o termo em alemão, houve um desalojamento: o desejo saiu de cena, e em seu lugar entrou o sintoma. Sim, aquela mão paralítica estendida contava um drama, deixava pistas, era a solução de compromisso entre o desejo e a proibição...
Mas essa é outra história. Nossa questão aqui é sobre como a neurose foi sumindo (já não se veem sintomas histéricos) e foi dando lugar aos vícios.
Os vícios são resultado de outro mecanismo de defesa contra a crítica do Superego. Enquanto na repressão o Superego torna o desejo impensável, nos vícios eles são pensados, reconhecidos como errados, mas a pessoa se afirma rebelde ao Superego e diz “Foda-se, vou fazer!”
Parece melhor que a repressão, mas... não é. Porque mantém o Superego alimentado, desta vez pela rebeldia, mantém a pessoa prisioneira dele, só que pela vingança. Afora o fato de que os vícios, bem, eles não fodem o Superego, quem se fode é a pessoa.
Freud foi um dos culpados, pois ajudou a que se confundisse repressão com opressão; autoritarismo com autoridade. Os analisados não queriam a mesma culpa que eles atribuíram aos pais deles, e passaram a mimar os filhos. Quando os filhos mimados cresceram, entraram em choque com a dura realidade da vida e disseram, “Foda-se, quero o mimo!”, agora via maconha e congêneres.
Além dos vícios de substâncias, vícios comportamentais prosperaram, todos eles vingativos contra o Superego: o fodão-merda (derivado do “winner/loser” americano); o vitimismo (quando a vítima almeja tornar-se tirano, como indenização pelo que sofreu); o bosta n’água parasita (o mimo como direito adquirido) etc.
Os outros fatores do declínio das neuroses, só por registro pois o assunto é longo, são sociológicos, que repudiaram qualquer autoridade (vistas como autoritarismo), as utopias dizendo que “é proibido proibir” etc.
A neurose que ainda resiste é a obsessiva. Mesmo assim, em suas manifestações menos “neuróticas”, como na síndrome do pânico, no terror dos palcos e de performances, e nas depressões.
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