“Sem noção” veio aposentar a antiga “falta de desconfiômetro”, que designava o problema daquela pessoa desprovida de sensibilidade para perceber que não está agradando, que está invadindo, sendo inconveniente e inoportuna.
Mas... e o “confiômetro”, que ninguém fala nele? No entanto, ele é um poderoso e ativo aparelho cerebral que não desliga nunca. A confiança que temos em algo ou alguém está sempre sendo medida, mesmo que a gente não perceba. Como os papéis da bolsa, ou está em alta, ou estável, ou em queda... ou some completamente, pode reparar.
A mãe do cliente descobriu que ele andava cheirando cocaína e deu-lhe uma dura. Passou meses revistando suas coisas e armários. Um dia ele lhe disse: “Mas mãe, faz um tempão que eu nem chego perto!” E ela: “Ah, meu filho, quando a gente perde a confiança, leva um tempão para recuperar...”
Confiança. Do latim cum + fides, com fé, com crença, com crédito. Olha só a importância dela em nossas vidas: fiança, fiado, fiador, fiel/infiel, confidente, confidência/inconfidência, confiado/desconfiado etc. A lista é enorme.
Reputação é um bem precioso que depende totalmente da confiança. A coisa é tão séria que, diz o ditado americano, “a fama dura quinze minutos; a infâmia é para sempre”.
Esse negócio de “ponho a minha mão no fogo”, desculpe, mas é conversa fiada. É como diz a plaquinha na venda: “Fiado, só amanhã”. Ou como disse o marechal Floriano Peixoto: “É preciso confiar desconfiando”.
“Fé cega” é um estado alterado da mente, maluquice própria de fanáticos, que desejam a “morte aos infiéis”. Se você estivesse seguro de sua fé, por que haveria de desejar a morte de quem não crê? Mas... é como disse Beto Guedes: fé cega, faca amolada. É preciso muita amolação para se manter os olhos fechados à desconfiança, para se desligar o confiômetro.
Como era de se esperar, a confiança também é a base da boa psicanálise. Os clientes chegam me dando um “crédito de confiança”, pois fui indicado por alguém em que eles “botam fé”. Eles me dirão (ou não) coisas que nunca ousaram dizer para ninguém, ou até para si mesmos; tudo vai depender de mim e da confiança que neles despertar.
Claro, o contrato de confidencialidade que a psicanálise implica é base de tudo. E eu que esteja atento, pois a cada sessão a confiança está sendo posta à prova.
O psicanalista que chama de “resistência neurótica”, que desrespeita a desconfiança do paciente, está arruinando um dos mais preciosos instrumentos da nossa saúde mental: o confiômetro.
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