Há uma estranha espécie de macaco que sabe que existe. Não apenas sabe, mas sabe que sabe: o Homo Sapiens.
Você está lendo este texto, é capaz de olhar para dentro de si e pensar, “Eu sei que existo, que penso, que desejo, que sou pouco mais que um marionete de um DNA que vem se replicando sem interrupção há 3,4 bilhões de anos, feito por ele para tocá-lo adiante, cheio de softwares inatos que a ele servem, ainda por cima sei que vou morrer e ser esquecido, mas... eu tenho uma pequena margem de arbítrio sobre este meu tempo de vida, posso tentar algum sentido próprio para ela. Caramba, que bicho estranho sou eu!”
A consciência de si é mesmo muito estranha. Linæus, o cara que batizou nossa espécie, deve ter tirado o nome dela a partir de seu grupo de amigos intelectualizados. A capacidade de reflexão, de olhar para seus próprios pensamentos, não é – apesar do nome da espécie (o homem que sabe que sabe) – algo comum. Se Linæus fosse mais realista e fizesse uma pesquisa de campo, chamaria nossa espécie de Homerus Simpsonium.
Sim, Homer Simpson retrata a imensa maioria da humanidade de maneira mais fiel e crível. Nossa principal tendência é a reação e o imediatismo, não é a reflexão.
Imagine um dos nossos ancestrais caçadores-coletores vendo um bando de amigos em desabalada correria, e parando para pensar: “Qual o sentido de se ficar correndo por aí? Por que as pessoas correm, afinal? Tenho eu vontade de correr ou não?”
Esse foi provavelmente devorado e não deixou descendentes. Os reativos da correria, sim. Eis porque eles são maioria.
Ainda assim, todos temos alguma capacidade de reflexão, alguma consciência de nós mesmos, Homer Simpson inclusive.
Mas aí entra a questão principal aqui tratada: como nós nos vemos? Quando alguém diz “eu tenho consciência de que a humanidade caminha para...”, faz isso a partir de um aparelho leitor, usando uma lente variável; não existe essa coisa de “ter visto a verdade definitiva”. A ciência nos ensina que o observador influencia o resultado da experiência, que dirá a leitura dos fatos.
Meu melhor exemplo é a depressão: a mente depressiva olha os fatos (e o destino) com a pior das lentes, com um viés catastrofista. Tudo vai dar errado, tudo está destinado ao fracasso, nada adianta, nós não valemos nada, não há graça no mundo.
Duas semanas de um antidepressivo moderno... e a lente muda. A realidade anterior deixa de ser... real. A consciência de si mesmo ganha uma nova perspectiva, a pessoa entende que ela estava ligada a um problema de hardware, ela se dá conta de que é preciso questionar o aparelho leitor que mora em nós.
Esta é a principal função da psicanálise: mudar o aparelho leitor com que nos vemos e nos julgamos. Permitir uma releitura de nossa história. Buscar justiça, nessa nova visão.
E com isso, aumentar nosso arbítrio e construir melhor nossa realidade.
Muitíssimo interessante essa linguagem tecnológica para explicar como a psicanálise ajuda o paciente
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