(Publicado em 11 de junho de 2012)
Artigo para a Revista G Magazine
Homofobia [De hom(o)- + -fobia.]:
S. f. Aversão a homossexuais ou ao homossexualismo.
É um fenômeno universal e multicultural demais para ser desprezado como “preconceito que o tempo muda”. Não. Merece um olhar cuidadoso, e, já vou avisando, você vai ler aqui reflexões sobre o tema, e não a resposta, muito menos a solução dessa coisa misteriosa.
Você pensa que na Grécia clássica não havia homofobia? Pois a única forma de homoerotismo bem acolhida na época era o amor apaixonado e erótico de um homem mais velho por um rapazinho pré-adolescente, quando ele se tornava seu protetor e conselheiro, um segundo pai. Fosse um senhor de escravo adulto querer fazer sexo oral naquele que era sua propriedade e isso caísse no conhecimento do povo, ele seria visto com aversão. Tribos indígenas americanas acolhiam bem o homem-mulher, que como elas se vestia e comportava, desejando um homem viril como parceiro. Um fenômeno que Hugo Denizart detectou como atual em seu livro “Engenharia Erótica”: nas classes pobres a bicha-louca exuberante foi desaparecendo, dando lugar ao homem-mulher atual (o travesti), que em vez de vaias recebe cantadas na rua, dinheiro na prostituição, e é perfeitamente aceita como parceira fixa nas prisões (chamada “mulher de cadeia”, como Dráuzio Varella conta em “Estação Carandiru”).
O resumo disso é que o homossexual masculino (que o capítulo lésbicas é outra história bem diferente) tem sido aceito ao longo dos tempos “desde que esteja bem localizado dentro de um nicho social, uma aparência e uma visibilidade que não incomode os héteros”. Saiu dali, ele desencadeia curto-circuitos cerebrais (aversões) que se dão no coletivo, sim, mas também no mais íntimo do pensamento do indivíduo hétero, e disso sou testemunha de consultório. Exemplo: André Gonçalves fez um personagem de novela que mantinha um romance com um amigo, sem que o personagem tivesse qualquer estereotipo, quer de bicha, quer de pitboy. Era um cara “normalzinho”, que podia ser amigão de um hétero. Resultado: o ator foi perseguido e maltratado na rua. Seguem-se alguns componentes reconhecíveis na construção da homofobia:
Desprezo pelas mulheres:
As primeiras (e mais primitivas) manifestações de homofobia se dão na infância, e não têm nada a ver com erotismo. Pelo fato de que uma boa percentagem de futuros homossexuais nasce com jeito de mulher, desde os três-quatro anos preferirão brincar de boneca, de casinha, não serão musculares e desdenharão dos esportes, dos brinquedos de guerra, do futebol etc. , desse conjunto que não existe por imposição cultural, e sim por conformação biológica. É raro o homo que teve tiazinhas cercando-o de babados e dando-lhe bonecas na infância. Muito mais comum foi ter um pai furioso, impondo-lhe lutas marciais, chuteiras e bolas de futebol. Pois esses não serão discriminados como viadinhos. Os colegas de escola vão chamá-los de mulherzinha; mariquinha. Vão identificá-los como um ser desprezível: a menina. Nessa época as meninas nem ao menos são objeto de desejo. Mais tarde, quando o forem, elas serão fáceis (e desprezadas por isso) ou difíceis (e causadoras de rancor por isso). Como pode entrar na cabeça de um menino hétero que seu semelhante queira ser, ou parecer, um traste tal?
2. Aversão aos estrangeiros:
Não nos damos conta que conviver com estranhos sem partir para matá-los é um fato muito novo na espécie humana. Surgiu há cerca de 12.000 anos com a criação da cidade-estado. Antes disso, o ancestral caçador-coletor partia para a luta mortal se o outro fosse reconhecido como estranho a sua tribo. Vamos tomar nossos primitivos mais próximos (as crianças). Quando saem de sua tribo (a casa) e entram num ambiente hostil (o colégio) elas se defendem passando um contínuo radar que pesca qualquer desvio do homogêneo, do familiar: esses são os inimigos. É por isso que não existe ninguém tão intolerante com as diferenças que as crianças. Os apelidos são característicos: “Gaguinho”; “Quatro-olho”; “Deixa-que-eu-chuto”; “Ferrugem”; “Pelé”; “Tição”, e por aí vai… Os mariquinhas não haveriam de ficar de fora.
3. Medo de contágio:
Existe uma mitologia gay de que no fundo todos os héteros são enrustidos. Ela é errada, mas não deixa de ter algum parentesco com a verdade. Quando Kinsey publicou seu famoso relatório dos anos 40 mostrando que a experiência homossexual masculina (ainda que única) era muito mais comum do que se supunha, principalmente na infância e na adolescência, ele causou uma comoção equivalente a revelar o segredo mais íntimo de alguém. Sua classificação dos homens quanto à capacidade de desejo homossexual continua comprovável e útil. Ele os dividiu nos tipos de 1 a 6. O tipo 1 é o hétero em quem nem passa pela cabeça o mais vago interesse erótico por outro homem. Não quer dizer que o tipo 1 não possa ter prazer com outro homem. Muitos deles tiveram iniciação sexual com amiguinhos (por falta de outra oportunidade) e não ficaram traumatizados, não precisaram reprimir tal lembrança, são capazes de achar graça nisso. Por isso mesmo, tendem a ser os mais indiferentes/tolerantes à questão homossexual: ela não chega a ser um assunto.
O problema, quanto à homofobia, está nos tipos 2 e 3, que têm crescente capacidade de desejo homo, mesmo sendo héteros (definido por tesão visual maior por mulheres). Esses, se têm lembranças infantis homo, delas se envergonham, precisaram reprimi-las. São os tais que necessitam “afirmar sua masculinidade”, pois que, para eles mesmos, ela pode ser posta em dúvida. Cá e lá se assustam (e se afastam) com o amor que desenvolvem por seus amigos, ou com a atração que determinados homens lhes despertam. Esses sim, têm medo de “virar viado”. É um medo sem fundamento. Sua preferência visual permanecerá a mesma pela vida afora. Poderiam, teoricamente, fazer um acordo com eles mesmos, “é, eu de vez em quando vou ter tesão em homem, mas isso não me arranca pedaço”. Sinto muito, isso é teórico. Eles investiram tanto na repressão, demonizando seus poucos desejos homoeróticos, reforçando uma postura defensiva de supermachos, que passaram a ter medo, fobia, do contágio. Agem como os antigos agiam com os leprosos, apedrejando-os por pavor, mas o contágio que temem é o do desejo.
O tipo 6 é o homo em quem nem passa pela cabeça o mais vago interesse hétero. Esse é o que “sai do armário” mais facilmente, não é tanto uma questão de coragem e sim de total falta de opção. Os tipos 5 e 4 são os que têm crescente capacidade de desejo hétero, mas são e serão sempre homossexuais (pela preferência visual). Esses muitas vezes, já que podem, se casam, constituem família, e infelizmente podem engrossar o problema da homofobia por não aceitarem sua condição, tentarem reprimi-la e ficarem assim parecidos com os tipos 2 e 3 acima. É curioso, mas quando os tipos 5 e 4 se assumem gays, podem exercer uma patrulha “heterofóbica” sobre seus pares, criticando-os por transarem com mulheres, desprezando-as, chamando-as de “rachas”, pois também andaram reprimindo seus desejos héteros.
Faz parte do miolo (de 2 a 5) o michê que confessou para a polícia: “A bicha não quis me pagar porque disse que eu também gostei, aí eu matei ele, que nenhuma bicha vai me chamar de viado, eu faço isso por dinheiro”. Infelizmente, é um caso bem comum.
4. O inimigo que nos une:
Quando dentro de grupos, turmas ou mesmo povos, surge uma liderança tirânica que quer impor suas idéias ou vontades calando qualquer discussão, é comum que o déspota se valha de um inimigo, uma espécie de bode expiatório para seus males, contra quem todos devem estar unidos, e a favor de quem ninguém pode ser, sob pena de ser suspeito dos mesmos “crimes” do bode. Tem sido assim: desde o colégio e suas tribos; skinheads; pitboys; os nazistas com os judeus (e os homossexuais, de quebra); o Bush com os terroristas; Stalin com todo mundo que não se submetia a ele; a esquerda brasileira com a ditadura; a ditadura com os comunistas. Por aí vai.
Talvez o fato histórico mais grave nessa série: Moisés, ao impor Iavé como deus único, perseguiu os devotos de sub-deuses cujos cultos tinham orgias homoeróticas, inaugurando a homofobia da cultura judáico-cristã, que vemos até hoje nos pronunciamentos do papa católico.
Essa forma de homofobia (eleger o homossexual como o inimigo que une) é a mais grave de todas, mas é a que traz a maior lição: a prática homofóbica está ligada à tirania, ao excesso de poder (de grupos ou estados fortes), e seu melhor remédio está no aprendizado da democracia e no aprimoramento de suas leis anti-discriminação, no costume de parlamentar e conviver com as idéias (ou jeitos de ser) diferentes.
Francisco Daudt da Veiga é psicanalista carioca, e autor, dentre outros livros, de “O amor companheiro – a amizade dentro e fora do casamento” (Sextante).
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