(Publicado em 11 de junho de 2012)
Artigo publicado na Folha de São Paulo
Antes de mais nada, penso que há uma pergunta a ser respondida, porque eu a ouço muito: psiquiatras, psicólogos, psicanalistas, terapeutas, qual a diferença entre eles?
Psiquiatras:
são médicos que estudam a melhor maneira de ajudar quem está mentalmente perturbado através de remédios. Isto é um espetáculo. A psicofarmacologia avançou muitíssimo nas últimas décadas, e os remédios que temos hoje são tão bons que eu diria: não há melhor momento na história da humanidade do que hoje para ser deprimido, neurótico, ansioso, maníaco, psicótico ou qualquer outro distúrbio que, antigamente, levaria você a um hospício.
Psicólogos:
são estudiosos da “alma”, ou, em termos atuais, do software que roda no cérebro e que aparece como comportamentos, pensamentos e outras perturbações (porque eles estudam como o nosso cérebro funciona e como ele nos perturba). Existem muitas maneiras de estudar isto, e muitos mestres olharam este funcionamento por muitos ângulos.
Psicanalistas:
estes psicólogos derivam da maneira de estudar o software cerebral que Freud inaugurou no século XIX. É claro que eu, como psicanalista que sou, vou me deter mais neste jeito de entender o funcionamento da nossa mente. Freud descobriu que nós éramos tão marcados pela nossa educação e pelas pessoas que nos criaram, que acabávamos por carregar este jeito de viver pelo resto de nossas vidas: se ele era favorável e lógico, ótimo, viveríamos bem; se ele era estranho e cruel, acreditaríamos nele e viveríamos mal (ele não falou quase nada da genética, que constitui 50% do que somos).
Terapeutas:
são pessoas que cuidam (terapia é cuidar, é tratamento) de outras. Por isto você tem fisioterapia, logoterapia, quimioterapia e assim por diante, até ter psicoterapias, feitas por psicoterapeutas, que são pessoas que cuidam de você e de sua maneira mental de funcionar. Os psicanalistas podem ser estudiosos apenas (teóricos), ou psicoterapeutas, aqueles que cuidam de pessoas usando a psicanálise como instrumento. É uma das inúmeras maneiras de psicoterapia.
Mas acho que basta. Meu assunto é como escolher um psicanalista terapeuta, alguém que vai cuidar de você com o instrumental que Freud inventou, alguém que vai te prestar um serviço de saúde. Você o contrata e consome o serviço dele.
“Ai, que barbaridade, pensar o cliente como consumidor!”
Sinto muito se feri suscetibilidades, mas imagino que, se você está lendo um caderno sobre psicanálise, está preparado para ler textos eruditos de que você não vai entender 10%. É uma das coisas que me horrorizam em psicanálise, e que sempre me pareceu uma contradição entre termos. Afinal, a psicanálise veio para explicar ou para confundir?
Clínica: do latim, quer dizer “inclinar-se”, para observar e entender.
Pratico a clínica psicanalítica há 35 anos, e fui consumidor desta prestação de serviço durante oito, com dois psicanalistas diferentes. É. Prestação de serviço mesmo, eu pagava (caro) e recebia 50 minutos de suposta atenção.
Assim como quando fui pai, tentei me lembrar de quando era criança e o que funcionava e o que me irritava no jeito de meus pais, quando fui ser psicanalista, prestei bem atenção no que me fez bem e no que me fez mal quando fui cliente. Para aprender com os erros (evitando-os) e com os acertos de meus psicanalistas (tomando-os como modelo).
Você já viu que vai entender tudo o que eu escrever aqui. Gosto de clareza, de transparência, do que é lógico e razoável. Se você gosta de obscuridades, perplexidades e esoterismos, pode pular este artigo. Não é tua praia.
A coisa é simples assim: quantos psicanalistas são necessários para trocar uma lâmpada? Um só, mas é preciso que a lâmpada queira muito ser trocada. Procurei a psicanálise porque me sentia mal comigo mesmo e queria muito me sentir bem. A pergunta seguinte era: o profissional teria o mesmo objetivo? Ele quereria me fazer sentir melhor com o instrumento terapêutico que usava?
Parece uma pergunta besta, não? Mas não é! Há vários psicanalistas que não se sentem comprometidos com a melhora e o bem-estar de seus pacientes (que dirá com a cura de seus sintomas), eles têm como meta “a reflexão sobre os enigmas do seu funcionamento psíquico”, ou pior, “com a sua aceitação da castração” (calma, que eu explico, é algo assim: “o mundo é duro mesmo, e você deve se dobrar e aceitá-lo como é, sem esperar colinho de mãe, que é o mesmo que querer roubá-la de seu pai, representante do mundo cruel. Tenha horror do incesto, o complexo de Édipo”).
De tal maneira que, escolher um psicanalista não é tarefa fácil. Aqui vão algumas sugestões que podem te ajudar, se você ainda não largou a leitura deste blasfemo insolente, ou mesmo desta pessoa desprezível pela sua linguagem chã que qualquer um pode compreender.
A indicação. Ela pode vir de um amigo querido, que tem se sentido cada vez melhor com seu tratamento, e que te diz que nunca saiu de uma sessão pior do que entrou, e que não acredita que “hoje a sessão foi ótima, eu saí de rastos, aos prantos, me sentindo a última das criaturas, porque nós fomos fundo nos meus horrores”. Ela pode vir de artigos que você leu e te deram alívio e compreensão, assinados pelo cara. Ou o mesmo sentimento a partir de livros que ele escreveu, entrevistas que ele deu etc.
O primeiro contato. Geralmente pelo telefone. É impressionante o que se pode aprender sobre o outro num telefonema: se ele é acolhedor; se é hostil; se é simpático ou não; se é pomposo ou simples; se você se sente confortável na conversa, ou constrangido; se vai te atender logo ou “talvez, se abrir uma vaga, nos próximos meses”. Enfim, minha sugestão é: só vá à entrevista se você se sentir bem com ele ao telefone. De desconforto, já basta a tua vida, você não precisa pagar (caro) por ele!
Perplexidade. Se o Dr. Fulano te disser alguma coisa que você não entenda, se falar de tal maneira complicada que você chegue a achar que é burro, pode desistir: ele não serve para você.
Mudez. Se o Dr. Fulano ficar olhando mudo para você quando você quiser saber algo na entrevista, as chances são de que ele ficará mudo durante a terapia. Por que você há de pagar (caro) para alguém que não diz nada? É teu trabalho se entender? Pois então fale para o espelho. É muito mais barato.
Contrato. Sinta-se confortável com um contrato claro de tempos de sessão e de custos. Pergunte sobre férias suas e do terapeuta, quem paga o quê. Pergunte sobre pontualidades (há poucas coisas mais constrangedoras do que encarar colegas numa sala de espera), porque você tem mais o que fazer na vida, e continua sendo uma falta de respeito – em qualquer especialidade médica – te fazer esperar tendo hora marcada. Woody Allen diz em um filme que não podia se suicidar porque seu analista cobraria as sessões que ele faltasse. Contratos precisam ser claros!
Como eu saio da sessão? Não deixe ninguém te convencer que sair de rastos, aos prantos e arrasado de uma sessão significa que ela foi “funda e produtiva”. Só significa que o terapeuta pôs mais dor naquilo de que você já se acusava. Ele quer que você se arrependa. É mais barato procurar a igreja católica (nos confessionários).
Senso de humor. Se você sentir falta dele no seu terapeuta, significa que ele gosta de drama, e o drama é parte integrante, agravante e fundamental dos seus sintomas. Vá embora! Parte da cura é não se levar tão a sério, não se achar (e a ninguém) tão importante.
Dentro de cem anos, lembre-se, estaremos todos mortos (provavelmente, esquecidos). E, faz parte do meu imaginário aparelho humildificador, amanhã este artigo será papel de embrulhar peixe…
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