(Publicado em 18 de dezembro de 2011)
Há um fato de que a maioria de nós não sabe ou esquece: o exercício da autoridade, ou das leis, se baseia, em seu extremo, no uso da violência. Como não pode existir lei sem a punição correspondente, senão ela será desprezada, a punição vai, desde a ameaça, à execução de castigos, é por isto que precisamos de forças armadas, como o visto nas ocupações das UPP nos morros do Rio.
Há mais de dez mil anos o homem vive em cidades. Convive com pessoas que não são de sua família, nem de sua tribo. Antes disto, qualquer contato com estranho resultava em luta mortal. Estranho = inimigo. É fato até hoje, na Papua – Nova Guiné, se dois estranhos conversando não descobrirem parentes em comum num encontro, partem para um embate mortal.
Como foi possível, pois, a convivência pacífica de estranhos em cidades? Pela instituição do Estado, que se tornou monopolista da violência. Pela invenção das leis. Pelo estabelecimento das punições aos transgressores. O Código de Hammurabi impunha punições bárbaras: “Olho por olho, dente por dente”. As leis e as punições foram se tornando mais civilizadas, mas o princípio do monopólio da violência pelo Estado continua sendo um dos pilares da democracia. Você tem uma contenda com seu vizinho? Traga-a ao Estado, pois se você quiser resolvê-la com suas próprias mãos, você será criminoso também. Há exceções: legítima defesa e violência consensual (MMA e S&M).
Então, por que eu sou contra a lei da palmada? Imagine levar uma criança transgressora às barras do tribunal para que o Estado a punisse. É coisa de doido.
Defendo que a palmada (que promove mais susto do que dor ou lesão) seja igual à atitude dos gorilas, que impõem sua autoridade ao bater no peito, no urro e no avanço assustador sobre o oponente, sem danos físicos. Eles só dizem: “Eu sou mais forte, eu estou no comando”.
Castigos que causam lesão já são punidos por leis. Uma família não passa de um pequeno Estado, com chefe responsável pelas leis e as punições que impõe. Nascemos pequenos trogloditas, a educação é um processo civilizatório. Dez mil anos em alguns. Não precisamos da tutela do Estado maior para dirigir nossas famílias. É tentativa de autoritarismo, sutil que seja. Imagine a cena de um chefe de família amedrontado pela lei da palmada e pela denúncia do vizinho. Qual a alternativa? Convencer com palavras seu filho de um ano que ele não deve machucar seu irmão bebê? Que tal, hein? Sua raiva sairá muito mais cruel e sutil. Você já levou “gelo”? Então sabe o que do que estou falando. Pais podem torturar seus filhos sem encostar um dedo.
Daí, uma proposta singela, vinda dos islâmicos: a adoção de chibatadas como pena alternativa para pequenos delitos. Deixemos de hipocrisia: a prisão para quem não ameaça a sociedade é castigo brutal, uma escola de revoltados. “Ah, ele vai virar ‘noivinha’ no primeiro dia”. É tortura terceirizada.
Posto diante da escolha: dez chibatadas pelo carrasco mecânico (ajustado para não causar lesões) ou dez meses de prisão? Adivinhe a escolha?
Material publicado na coluna “Natureza Humana”, da Folha de São Paulo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário