(Publicado em 23 de outubro de 2010)
“Fulano é um psicopata: matou a família e foi ao cinema!”
Sinto muito, fulano é um ser humano. Pergunte-se, ninguém está ouvindo: você nunca pensou, “só matando?”; você não vibrou, vendo “Tropa de elite 2” quando o Nascimento enche o político corrupto de porrada?; você não participaria de um linchamento, com a galera gritando “mata, mata”?; você não teve uma tentação quando viu que te deram troco a mais? Nunca experimentou a sensação de run amok? (to run amok é o que dizem do elefante que enlouquece e sai arrasando tudo o que vê pela frente, árvores, aldeias ou pessoas), um ódio tão intenso subindo pela garganta que você percebe que não vai responder mais por si, que vai quebrar pratos, cadeiras e a cabeça de quem te produziu o ódio, até ver os miolos gosmentos dele se esparramarem pelo chão? Nunca devaneou com coisas parecidas? De passar aquela filha de uma senhora de reputação duvidosa peça por peça por um moedor de carne?
E convidado por um político para receber carona num Gulfstream 400 (é um jatinho particular lindo) para uma tarde em Fernando de Noronha, às custas do dinheiro do imposto do contribuinte, mas para o seu gozo único, não pensaria algo do tipo, “ele vai para lá mesmo, qual o problema de eu ir junto?”, e ainda não perguntaria, “posso levar minha namorada?”.
Eu sei, eu sei, você não faria nada disso. Primeiro, porque você recebeu uma educação esmerada, e na sua casa todos são críticos de quem fazem essas coisas. Segundo, porque essas ocasiões nunca se apresentaram a você.
“A ocasião faz o ladrão” foi uma das coisas que minha mãe me ensinou: não deixe dinheiro solto. A empregada pode ser de confiança, mas é um abuso tentá-la. Se ela roubar, a culpa é sua! “Confie, desconfiando”, dizia o Marechal Floriano Peixoto, outro que entendia da natureza humana.
É verdade, nós somos capazes desses horrores todos, principalmente se a sobrevivência está em jogo. É bem verdade que um percentual mínimo da humanidade tem o gozo especial de fazer os outros de idiotas e rompe todas as regras sociais com o cuidado de não ser pego. São os psicopatas.
Mas a grande maioria de nós funciona direitinho, respeita as leis, sobretudo se elas funcionam, e, se transgredidas, há punições (leis sem punições “não pegam”) que são aplicadas, muitos de nós fomos criados vendo as vantagens do agir bem: “Se malandro soubesse como é bom ser honesto, seria honesto só por malandragem” (como dizia Jorge Benjor).
Meu ponto é que nosso lado negro não surge porque haja bonzinhos e haja malvadinhos. Somos todos humanos e compostos das mesmas coisas, em quantidades diferentes, e vivemos em circunstâncias diferentes.
Uma das coisas que temos é algo espetacular em nossa natureza, chama-se “altruísmo recíproco”: faça-me algum bem e eu terei vontade de retribuir (e se bancar o esperto, se não retribuir, eu vou me afastar de você, pois percebi que você é do tipo “leva vantagem”), e ao retribuir, você vai me ajudar de novo, e assim por diante.
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