(Publicado em 29 de junho de 2011)
E a seleção natural criou o cérebro humano. Mas, por favor, não se engane. Apesar de se parecer com um título de filme do Roger Vadin, “E Deus criou a mulher”, com a Brigitte Bardot, uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa. Quando se trata de nós, deveríamos dizer “da seleção natural, sobrou o cérebro humano”. Melhor dizendo: você já entendeu que, se tomar pouco antibiótico, sobrará um germe resistente, não é? E esse é duro de matar. Pois foi isso que aconteceu conosco. Os parecidos com gente (antropo = homem + óides = com forma, ou seja, antropóides) que vieram da África foram sendo peneirados pela adaptação (uns eram uns idiotas que não tinham medo do escuro: foram devorados e não deixaram descendentes, e assim por diante), outros descobriram que podiam dividir caça (machos) e coleta (fêmeas). Elas cuidavam da rede social que partilhava informações sobre melhores frutos e melhores maneiras de cuidar de suas crias.
De algum modo, gestual, gutural ou finalmente verbal, foi surgindo a cultura. Pense a cultura como algo que se cultiva, como plantas ou vacas, histórias e ensinamentos passados de uma pessoa para outra, de uma geração para outra, mesmo antes de haver escrita, aquilo que você se lembra que sua avó contava, que você via na cozinha, no jeito de fazer pamonha. Pense em memória, o milagre do cérebro humano (não é exclusivo, é só ver os cães) extraordinariamente exponenciado.
Tenho um livro, “1001 invenções que mudaram o mundo”, que mora em um lugar especial de minha casa para que eu leia uma invenção de cada vez. Vejo ali a soma ancestral das memórias da humanidade, que não mudaram o mundo, elas mudaram nosso cérebro.
Ele se tornou mais e mais complexo. O livro não fala de uma complexidade paralela muito maior, que é a do desenvolvimento da nossa consciência, da percepção de que vamos morrer, de um vazio tremendo que só pode ser (ou imaginamos que possa) preenchido com a companhia de alguém mais, um derivado do mais forte dos comandos da seleção natural: a procriação.
No nosso caso, o sexo. Sim, porque em outras várias espécies o sexo é dispensável. Por definição, o sexo é um método de procriação que supõe o encontro de dois gêneros, e a negociação entre eles para que se acasalem em benefício de uma prole melhor (mais geradora de prole), e a negociação é sempre dura, seja entre pavões, seja entre você e aquela moça.
Mas isso são as forças dos genes. E se você quiser ser solteiro e estudar grego clássico? Qual o problema, neste mundo superpovoado? Você já pensou que somos sete bilhões de humanos sobre a Terra? Vá em frente! Pense que você é um indivíduo, e não uma formiga. Se quiser ter família, ótimo. Se não, uma vasectomia não é nada mais grave que uma ligadura de trompas, coisa que ninguém estranha. Que uma coisa é ser fruto da evolução de milhões de anos que produziu essa coisa estranha que é um cérebro pensante, e outra coisa é ser dono deste cérebro.
Material publicado na coluna “Natureza Humana”, da Folha de São Paulo.
Artigo ótimo que isenta de culpa muitos conterrâneos
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