(publicado em 25 de fevereiro de 2011)
O Homer Simpson entrou no mercadinho do Apu e deu um jeito de ver, contra a luz, um bilhete de raspadinha de US$ 500,. Chegou na caixa com o bilhete e viu uma barra de chocolate. Tanto o bilhete quanto a barra custavam o que ele tinha no bolso: US$ 2,50. Teve uma crise de dúvida… mas comprou o chocolate e devorou-o na hora.
O que isso tem a ver conosco? É que nossa espécie é a única capaz de pensar a longo prazo, de antever (ai de nós, inclusive nossa própria morte). Resulta disto que estamos sempre em uma discussão interna entre o que Freud chamou de princípio de prazer e de princípio de realidade. O primeiro é mais primitivo, mais animal, mais instintivo, é aquele que diz dane-se para a camisinha, porque o momento é de loucura. O segundo é mais complexo e reflexivo, capaz de pensar em conseqüências, e, portanto, pensará em gravidez e em doenças venéreas, o que levará ao uso da camisinha. O primeiro somos nós manipulados pelos nossos genes. O segundo somos nós usando esta esquisitice com que a natureza nos dotou: a consciência.
Você já pensou que pode ser um velho pobre? Haverá destino mais cruel do que ser um velho pobre, na melhor das hipóteses jogado num asilo pelos parentes, para esperar a morte? É uma desgraça, mas estamos vivendo vidas cada vez mais longas, nada de morrer com trinta anos, como na idade das cavernas. Você tem sessenta? Pode bem ter mais trinta anos pela frente!
Digo isso porque vejo estar na moda o tal de “viver o presente”. Paro e penso: quem vive o presente? Só quem sofre de Alzheimer, pois não tem mais capacidade de acessar seu passado nem de projetar seu futuro. O brócolis vive o presente, e ainda bem que não sou um. Quando como uma fatia de bolo de milho com leite de coco, junto com a delícia do sabor estão as memórias de brasilidade, de orgulho de nossa cultura, de Dona Benta e tia Nastácia, personagens do meu passado que me dão mais água na boca, que alimentam meu espírito. Eu sou melhor pessoa depois desta experiência porque vejo beleza nela, porque tenho memória e capacidade de escolher os rumos de minha vida.
Como? Rumos de minha vida a partir de um bolo de milho? É porque ele é um ícone dos meus desejos, da minha estética, da minha ética. Sabe esses ícones da tela do computador, você clica duas vezes e abre-se um enorme arquivo? Pois o arquivo que se abre contém algo diferente do imediatismo, contém a vontade de repassar esta beleza ética-estética a meus filhos, o valor das coisas bem feitas, da cultura, da antevisão do que pode ser construído, do que se pode evitar de ser destruído, do desfrutar dessa qualidade da natureza humana que é o antever, o projetar, o construir um futuro melhor, mais justo, mais generoso conosco e com os outros, e como faz bem a nós mesmos o ser gentil, ser generoso, cuidar dos outros enquanto cuidamos de nós mesmos. Produz dignidade! Lembram-se deste valor? Dignidade e integridade, algo que só pode ser alcançado se preferirmos nossa capacidade de antevisão ao pensamento imediatista.
Sorry, Homer.
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