(Publicado em 11 de novembro de 2011)
Lá estava eu, em 1973, um jovem de 25 anos, querendo saber qual era o melhor serviço de gastroenterologia do Brasil para fazer minha formação (antes de ser psicanalista, fui gastroenterologista por cinco anos). Informou-me um médico respeitado que eu deveria procurar o Professor Alvariz no Hospital de Bonsucesso, RJ. Não havia nada melhor no Brasil. Pedi ao Professor, com a recomendação daquele médico, para fazer com ele um estágio de um ano. Ele foi me avisando: não podia dar certificado, pois o INSS poderia ser processado por vínculo empregatício. Não me interessava ser empregado, e sim aprender com ele.
Este foi o ano da minha libertação da escolaridade: nunca mais teria que estudar coisas indesejáveis. Só estudaria aquilo de que gostava. Foi assim que passei a estudar como nunca havia estudado: por gosto! Primeiro, gastroenterologia e doenças do fígado (a parte mais difícil da especialidade, e o xodó do professor, formado pelo Dr. Popper nos Estados Unidos, Nec plus ultra: nada acima).
O que isto tem a ver com o processo de identificação? É que este processo é capaz de formar nosso Ego (Eu, em latim) e nosso Superego (Acima de mim). Se, pela sua educação, você foi obrigado a entubar conceitos odiados, posturas autoritárias, críticas ácidas, humor sarcástico demolidor, discriminações de superior e inferior com soberba, autocríticas demolidoras, idéias catastróficas, pensamentos paranóicos, olhar amargo sobre a humanidade, além de amarguras em geral, bem, formaram em você um Superego cruel (o superego, em sua origem, é um programa protetor do que nos pode pôr em perigo, parte de nossa defesa, além de nos dar vontade de ser melhor).
Outra coisa completamente diferente é a formação do Ego, um programa de software que roda em nosso cérebro, dando-nos a sensação de que existimos, e que sabemos que existimos, talvez a prerrogativa de nossa espécie, o homem que sabe que sabe (homo sapiens sapiens).
Este é formado por encaixe de nosso desejo com coisas que ele aprecia. Como já expliquei antes, o desejo não é a mesma coisa que a vontade, é uma trama muito mais complexa. Ele começa com nossos instintos animais, e vai se enriquecendo com aquilo que o atrai. A admiração é uma dessas coisas. Mas tudo começa com a imitação. Pense no nosso aprendizado da língua: imitamos o português que ouvimos: sotaque; sofisticação, ou falta dela; riqueza ou pobreza vocabular.
Depois da imitação vem a elaboração. Ela é também um conjunto de imitações diversas que vão compondo uma construção sofisticada, como uma trama de tecido sem costuras, já não se sabe de onde se tirou cada pedaço, de tal maneira que o produto final, o Eu, torna-se autor. Não é mais cópia. É algo que tem existência própria. Freud o considerava como a base da construção do sujeito (lembra da gramática: sujeito, verbo e predicado? Eu= sujeito; escrevi= verbo; este artigo= predicado), do Eu, pois não mais orbita em sua origem, ainda que a reverencie como exemplo, o que faço com o Prof. Alvariz.
Material publicado na coluna “Natureza Humana”, da Folha de São Paulo.
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