(Publicado em 09 de outubro de 2011)
A amiga pergunta o que leva as mulheres a gritarem, se descabelar e a chorar diante de um Justin Bieber da vida? É histeria? Anos de treino de pensamento complexo quando se trata do cérebro humano produzem a primeira resposta automática: “Nunca é uma coisa só, mas a pergunta é ótima, não havia pensado a respeito”. Ela já está acostumada a que eu leve uns dias até começar a produzir respostas (ou melhor, hipóteses). Elas virão grifadas. A primeira é histórica: nunca antes de Frank Sinatra (anos 40) houve este tipo de manifestação, donde, para durar até hoje, ele é mais que um modismo, é uma alteração dos costumes. Está certo que mulheres desmaiavam frente ao Lord Byron (que unia a fama a uma beleza ímpar), num tempo em que era moda desmaiar, coisa não muito difícil para quem usava aqueles espartilhos. Tempos dos sais de cheiro (“Ai, meus sais” se referia aos sais de amônia em vidrinhos que elas carregavam nas bolsas, tão irritantes ao olfato que as despertavam de fato). O curioso é que, quanto mais da alta classe, menos elas desmaiavam. O que nos leva ao componente do inatingível. Ora, Byron lhes era atingível (a elas e aos rapazes, que também lhe apreciavam). É também certo que houve uma epidemia de suicídios quando Rodolfo Valentino morreu. Um ato solitário, o que nos leva a outra hipótese: a manifestação de turba, ou seja, há a necessidade exibicionista de espectadores para o transtorno. Ao mesmo tempo ocorre a existência das grupies, moças que acompanham turnês de ídolos, contabilizando e disputando o número daqueles para quem se entregaram sexualmente. Agora sim podemos considerar o componente erótico do processo. A histeria foi descrita por Freud como a manifestação sintomática da repressão do desejo sexual: desmaios, paralisias e cegueiras eram comuns nos séculos 19 e começo dos 20, como reação ao horror de ver seus desejos sexuais aflorarem, majoritariamente entre as mulheres, assim como os desvarios atuais se repetem quase que exclusivamente entre mulheres e homens gays, o que nos dá que é uma característica do feminino. Vamos então ao que elas dizem: que são apaixonadas por seus ídolos. Ora, a paixão é um estado em que a pessoa se envolve, não com alguém, mas com a idealização de alguém. Some-se o ídolo (o super- idealizável dada sua inacessibilidade) com a sacralização do desejo sexual que a paixão produz (e isto ainda é uma presença forte para que uma mulher não se confunda com uma prostituta) e você terá as condições necessárias para demonstrações de adoração, que adoçam as manifestações de tesão. Mas ainda falta a alteração dos costumes. Por que só após Frank Sinatra, só no final dos anos 40? Minha hipótese está no clima do pós-guerra. Mulheres ficaram sozinhas, trabalharam, sustentaram suas casas, tiveram inúmeros casos extraconjugais enquanto seus maridos lutavam, ganharam independência e prerrogativas masculinas. Estavam em condições de demonstrar seus desejos, e os mostraram. A primeira revolução sexual foi o pós-guerra, não a pílula.
Material publicado na coluna “Natureza Humana”, da Folha de São Paulo.
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