(Publicado em 08 de novembro de 2010)
Pense que você está na savana africana há 100.000 anos. Sua tribo é pequena, as mulheres se reúnem para trocar informações sobre onde podem coletar raízes e frutos, e trocar favores para ter com quem deixar seus pequenos enquanto se aventuram nesta empreitada. As mais faladeiras são as mais simpáticas, as mais capazes de estabelecer redes sociais de informações sobre os lugares de coletas e as mais hábeis em obter proteção para suas crianças. A isto, Darwin chamou vantagem evolutiva.
Essas mulheres deixaram mais filhos que as casmurras, as ensimesmadas de poucas falas. Não é de espantar que as mulheres de hoje falem pelos cotovelos, numa média de três vezes mais que os homens. Elas salvaram seus filhos. É algo que temos que aturar? Ou admirar?
E os homens? Mais musculosos, menos apegados às crias, iam à caça, silenciosos, comunicavam-se por sinais, para não afugentá-las. Traziam as preciosas proteínas, que nos deram cérebro diferenciado. Cansados, sentavam-se ao redor da fogueira em silêncio cúmplice, amizade de homem. Não é de admirar que hoje, sentem-se em torno da TV, tomando cerveja e urrando com os lances do futebol. Amizade de homem.
Nem as raízes e frutas eram fartas, nem as proteínas da caça eram fáceis. Havia substâncias nelas que eram capazes de se acumular no corpo como uma reserva de combustível: os açúcares (carboidratos) e as gorduras (lipídios). Se a turma passasse um tempo de vacas magras, o corpo iria se abastecer deles. Novamente aí entra Darwin a dizer: quem gostou mais de açúcares e gorduras deixou mais descendentes. Nós somos descendentes daqueles africanos que gostavam mais de açúcares e gorduras, pois os outros morreram de inanição.
Resultado: pense num cheesecake com uma base de farinha de trigo (carboidrato, manteiga e açúcar), coberto de queijo cremoso (proteína e gordura), arrematado com geléia de framboesa (açúcar e mais açúcar). Olhe bem para aquela fatia gorda na sua frente. Repare agora no que está acontecendo com suas glândulas salivares. Elas estão indiferentes, ou jorrando água na boca só de você ler isto?
Agora, uma pequena diferença: na savana africana você tinha que ralar para pegar um pouquinho de proteína, de açúcar e de gordura. Não havia obesidade entre nossos ancestrais, muito menos academias de malhação.
Você está lendo o jornal na poltrona. O telefone está ao alcance da sua mão. Nele está gravado o número do serviço de entrega da quantidade de proteína, gordura e açúcar que você quiser. O que você acha que os seus genes vão pedir? Que você se levante e saia à caça? Que você procure suas amigas para saber onde ficam as melhores raízes e frutas?
Toda a parte boa pode ser entregue em casa: a fogueira está lá, basta chamar os amigos para ver TV com cerveja e pizza; as mulheres estão na cozinha, conversando sem parar, sem ter ido à coleta, pois a coleta foi até elas.
É esta a armadilha que a natureza nos preparou. Ela nos seduziu para que acreditássemos que isto é a tal da felicidade.
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