quarta-feira, 14 de outubro de 2020

Consulta: Ressaca da Felicidade

 (Publicado em 01 de fevereiro de 2012)


Eu me separei há cinco meses para cuidar de mim, e da praga da depressão crônica de que sofro. Minha vida de solteiro, sem ter que ser um constante servidor involuntário de minha ex, vem melhorando. Tenho experimentado momentos de felicidade, até. Mas, depois deles, sofro uma recaída da depressão. Como se explica isso?

Você vem sofrendo uma espécie de ressaca de felicidade que Freud descreveu lindamente em seu artigo “Os que fracassam frente ao triunfo”. Lá, ele mostra que pessoas que deixaram para trás situações penosas com quem tinham relações afetivas sentem culpa de estarem bem.

O exemplo mais típico é o do judeu sobrevivente do campo de concentração, que, a cada vez que se sente bem, parece ouvir os mortos lhe dizendo: “Aí, hein, você nessa boa e nós aqui!” A culpa é tão grande que ele percebe que a única coisa digna que pode fazer é ser infeliz, como a dizer, “Sim, estou vivo, mas minha vida é uma desgraça, não há nada a invejar”. A culpa é a mais poderosa arma de submissão já inventada por nossa espécie. Ela é tão incomodativa que pode produzir infelicidades variadas para dela escapar. Inclusive doenças, acidentes, perda de dinheiro e suicídio. Outro caso típico é dos mais capazes que enriquecem saídos de condições humildes: “Esqueceu dos pobres, hein?” É arrasador. Possivelmente, é a pior resistência que enfrento no meu trabalho: Os que pioram por melhorar.

Material publicado na Folha de São Paulo.

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