(Publicado em 01 de fevereiro de 2012)
Meu pai morreu anteontem, aos 102 anos. Ele teve uma vida gloriosa, de integridade e valores. Mas não sinto dor, só encantamento com a forma com que ele viveu e morreu. Não será alguma forma de repressão?
Não acredito. O luto é sempre singular, de acordo com as circunstâncias. Lembro uma cena do filme “Forrest Gump”, quando sua mãe, com câncer, chama-o à casa. Ele aparece, apavorado. Ela o consola: “Eu estou morrendo, Forrest. Não há do que ter medo, faz parte da vida”. Pelo que você conta, a tranquilidade com que seu pai fez face à morte foi o fator generoso (semelhante ao da mãe de Forrest) que fez de sua perda uma coisa compreensível e suave. Freud dizia que o luto saudável tem quatro etapas: o reconhecimento da morte; o sentimento de vazio (alguém em quem depositamos um capital afetivo desapareceu); um possível inconformismo, e finalmente a herança. Esta é a parte mais bonita: é quando as memórias, os valores, a beleza do que experimentamos com a pessoa querida voltam para se sobrepujar aos sentimentos de perda, e para se incorporar ao nosso patrimônio afetivo, fazendo de nós pessoas melhores e mais capazes de reinvestir no mundo, com uma nova riqueza de espírito. É provável que a avançada idade de seu pai tenha contribuído para que a passagem das partes amargas do luto tenha sido mais rápida, assim como seu gradual alheamento de três semanas, e você já esteja na última etapa: o gozo da herança afetiva.
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