quarta-feira, 14 de outubro de 2020

Consulta: Pai Com Alzheimer

 (Publicado em 31 de janeiro de 2012)


Meu pai tem Alzheimer e já está há mais de 6 anos vegetando. Mas a mulher mantém uma equipe de mais de dez profissionais, a custos altíssimos, todos empenhados em sugar o pobre vegetal, preservando sua vida. A casa é uma festa permanente, com champanhe rosé e flores para receber os amigos dela, onde impera absoluta sobre o mausoléu. Tal festim macabro vem consumindo o dinheiro dele rapidamente. Meu dilema é que quero e não quero que meu pai morra. Cada vez que desejo que ele descanse, me acomete um sentimento de culpa, e uma acusação interna de mesquinharia, pois sua herança se torna cada vez menor. A raiva contra a “imperatriz” também é perturbadora. Como o sr. poderia me ajudar?

Quase-órfã

Prezada Quase-órfã,

No fundo do nosso coração nossos sentimentos nunca são únicos. Especialmente quando se dirigem a nossos pais, então… Mágoas e ternuras se misturam, no que os americanos chamam de “mixed feelings” (sentimentos misturados). É o exemplo da maior complexidade que existe no planeta: o cérebro humano. Nenhuma ação humana tem causa única, cada uma puxando para seu lado com peso diferente, e resultando a cada momento na soma das mais pesadas. Chama-se a isso “dialética”, não aquela dos comunistas (hegelliana), mas a do pensamento complexo de Edgar Morin. Não se espante ou se condene por isto. No momento não vejo outra saída senão se conformar, mas quando seu pai morrer você vai novamente enfrentar a mistura de alívio e dor, pois quem morre não é o pobre vegetal de hoje, mas o conjunto de memórias afetivas que ele representou pela vida. Toda minha compaixão por você nos dois momentos. E meu protesto por não deixarem pessoas sem esperança partir em paz, sem medidas heróicas.

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