quarta-feira, 14 de outubro de 2020

Consulta: Alcoolismo

 (Publicado em 31 de janeiro de 2012)


Prezado Daudt,
Lí sua coluna, esta semana, pela primeira vez (não costumo ler a Folha). Tenho um psiquiatra. Conto para ele detalhadamente a situação, ele fica olhando fixo para mim, e não me diz absolutamente nada. Só me dá receita. Achei que V. poderia, talvez, ver uma luz no fim do túnel.

Tenho 62 anos. Tenho enfisema e uma separação litigiosa não resolvida. Vivo de um auxílio-doença do INSS. Do meu casamento tenho uma filha (23 anos) e um filho (17 anos). Há mais de 10 anos minha ex-mulher virou outra pessoa (menopausa?). Não quis mais saber de sexo, passou a ser minha crítica voraz. Nos mínimos detalhes. E eu a vinha suportando, sem reclamações, ao longo desses últimos 11 anos, principalmente porque não poderia viver só, por causa da doença. Mas ela transmitiu essa aversão que passou a ter por mim para os filhos, que se viraram contra mim. O menino falou em me matar três vezes. Tudo isso, juro por Deus, sem nenhum motivo lógico. E eu que me pensava querido! Depois disso me retirei e agora moro sozinho.

Nunca mais falaram comigo. A solidão está sendo terrível. Passei a beber muito, muito mesmo. E não tenho um amigo sequer.

Precisaria de uma companheira, mas doente e com problemas de ereção? Além disso, não suportaria conviver com uma velha como eu. Falei para minha filha que gosto de moças na faixa de 25 anos, e ela brincou que sou pedófilo… Será que sou? Pensei em conhecer uma moça nessa faixa de idade, fazer um tratamento médico (atualmente existem soluções para disfunção sexual), mas qual moça de 25 anos iria querer um velho, embora, com USP, PUC e bastante cultura, a não ser por interesse? E interesse em que?

O que deve fazer um velho nessa situação? Suicidar-se?

Saudações.

SANTOS

Prezado Santos,

O problema é que você já está se suicidando, pela bebida. O que é compreensível, pois sua situação é mesmo triste. Mas beber muito, viver sozinho e ter enfisema fazem uma mistura extremamente perigosa. Você não é pedófilo, a mãe natureza é que, madrasta de história infantil, faz os homens se atraírem pelas jovens, mesmo quando, como é o seu caso, esse objeto de desejo não seja nem um pouco realista.

Mas tenho algumas sugestões práticas que podem lhe valer. Primeiro: troque de psiquiatra. O remédio que ele está lhe passando é um calmante, não vai lhe dar forças para agir e mudar o rumo que sua vida está tomando. Você precisa de um antidepressivo e de alguém que se interesse por você e que converse com você.

Segundo: pode ser que, na sua doença (alcoolismo), esteja parte da solução. Gostaria que você pudesse contar com uma psicoterapia, pois a melhor maneira de combater a depressão é unir remédios com terapia. Mas entendo o quanto isso pode ser difícil, pela sua situação financeira. Apesar de que vários serviços universitários (de psicologia e de psiquiatria) contam com psicoterapêutas em fase de formação que atendem e acompanham os pacientes de graça. Mas há uma terceira via para que você tenha, ao mesmo tempo, cuidados eficientes para combater o álcool, um meio social onde você pode encontrar conversa e afeto e apoio moral amplo. São os AA (alcoólicos anônimos). Tenho grande admiração pelo bem que essa instituição faz às pessoas. Não há pagamentos, você encontra gente de todas as classes sociais, ninguém se sente melhor do que ninguém (mas também não se considera pior), pois todos são igualmente impotentes frente ao alcoolismo, há respeito, humildade sincera, enfim, acho que é seu lugar de escolha. Boa sorte para você.

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