O AMIGO PERGUNTA
Via messenger:
“Qual a diferença entre transgressão e perversão?”
Francisco Daudt: É a mesma que existe entre ter audácia e ser prisioneiro da audácia. Se você notar, todos nós iniciamos a nossa vida sexual através de pequenas transgressões. Nenhum adulto chegou para a criança que fomos e disse que “a partir de agora, você tem direito a se masturbar; tem direito a transar”.
Foi através dessas pequenas transgressões que nós conquistamos o direito ao sexo. Com as leis acontece a mesma coisa: o avô de uma amiga foi preso em 1920 por ter ido à praia de topless, sem a camiseta obrigatória - por lei - que fazia parte das “roupas de banho” da época. Com o tempo, e com a frequência dos audazes seminus, a lei mudou. Nos países anglófonos, as leis se regem pelo “direito consuetudinário”, o direito pautado pela jurisprudência, pelos costumes que vão mudando. Uma lei começa a parecer absurda, uma Rosa Parks tem a audácia de transgredir e de se sentar na parte reservada aos brancos num ônibus, vai presa, as pessoas se rebelam... e a lei acaba obsoleta.
Já a perversão, ela é um triste nome. É muito chocante dizer para um cliente que ele sofre de uma perversão. Remete imediatamente a chicotes, botas, fetiches, correntes, golden shower, essas coisas extremadas e caricaturais que são realmente menos frequentes do que dão a parecer.
Mesmo que o conceito freudiano de perversão se aplique a coisas comuns, como o tabagismo e o sadomasoquismo sutil que é mais regra que exceção entre casais de longo tempo. É por isso que não chamo de perversão, e sim de vício. A perversão/vício é uma doença compulsiva, repetitiva, que pode dar prazer imediato, mas que faz mal aos envolvidos, é uma vingança aprisionante contra as leis do Superego: a pessoa sente o impulso, sabe que é danoso, mas diz-se “Foda-se, vou fazer! Eu já estou com 130kg, comer essa mega-pizza de nutela vai me fazer mal, é mais um passo em direção ao cadafalso, mas... foda-se, vou comer”. Aí está uma pessoa que não vive apenas um momento de transgressão, ela é prisioneira da transgressão repetida, ela é doente do vício.
Uma última palavra: o vício mais comum (e o mais danoso) da humanidade não é a gula, ou as drogas, é o sadomasoquismo sutil do fodão-merda, quando a pessoa insegura dá uma de fodona, superior, ela é quem manda, é quem está certa, humilha os outros, dizendo de alguma maneira que eles são inferiores, inimigos, piores, uns merdas. Isso acontece em casamentos, por certo, mas está em pleno vigor na política, pois além de ser gritante nas tretas das mídias sociais, ela é a doença psíquica principal do presidente da república.